quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

DANÇA

Aqui ao meu lado ainda dança a mulher antiga
Trazendo na boca o sabor do inflamado beijo
Quente como o sol do meio-dia em seu lampejo
Selvagem humana que em loucura tal periga.

Grito teu nome! Fazes para mim ouvidos moucos
Hoje quando preciso cada vez mais de pecado
Sentir teu corpo suarento num coito demorado
Teus beijos e carícias que nunca foram poucos.

Vejo que partistes! Para onde foi essa moça?
Feminina peça a prender em mim tantas raízes
A perspegar anseios de delírios tão felizes.

Olho a foto a restar da realidade toda nossa
Vejo que esquecestes o rastro de meus passos
E as marcas da paixão deixadas nos teus braços.

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© Copyright by Rafael Rocha Neto, Recife, 24 de fevereiro de 2011

BRINDE NO BAR

Amigos! Peço agora o momento de teus mundos
Nesta mesa de bar tão vivaz e mais que alerta
Brindarei nossos amores fugazes e profundos
Enquanto a porta da vida continua aberta.

Amigos! Encham e ergam os copos! Ouçam:
O brinde à ilusão da vida! O brinde ao momento!
Sintam dentro de si a força bruta em que ousam
Escalar o Everest do viver sem comedimento.

No sabor amargo desta cerveja sintam a vida
Que no espalhar espumas de rotinas faz a lida
Prazer imenso de estar vivos neste espaço

A sentir o tempo e na hora das despedidas
Olhemos unos ao redor: mentes embevecidas
Em nossos corpos esperando terno abraço.

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© Copyright by Rafael Rocha Neto, Recife, 24 de fevereiro de 2011

CHUVAS DE VERÃO

A chuva do mês de janeiro é chamada de chuva de verão. Como se sol houvesse a esquentar as águas.

Quando eu era garoto as chuvas de verão marcavam quantos dias de inverno iriam ocorrer no ano. E quantas tanajuras iriam cair quando elas amainassem no fim da tarde. Hoje, quando se fala de chuvas de verão, nota-se nos olhares de muitos um temor em suspense. Chuvas de verão hoje não são proféticas. São assassinas.

Dizem que tudo isso é causa e efeito da raça humana. São os espectros de uma construção sem estrutura no ambiente terrestre. Sequelas que a raça tem de aceitar, pois agitou seu habitat para adoecer no fim.

Lembro de quando chovia num dia 15 de janeiro de há cinco décadas. Eu e meus irmãos e minha mãe em casa. Hora do almoço. Portas e janelas fechadas. De repente, os cachorros latem. Batem estrondosamente na porta.

- Fiquem calmos! Vou ver quem é! – disse o nosso pai.

Levanta-se e se dirige à porta. Ao abri-la depara-se com o seu próprio pai que nos tinha vindo fazer uma visita. Completamente ensopado. Enlameado. Escutei o suspiro de alívio dele ao ver o filho abrir a porta e recebê-lo.

- Ainda bem! A coisa tá feia lá fora!

- Ora, pai! É apenas chuva! – redargüiu meu pai.

- Por hoje é apenas chuva. Veremos daqui a alguns anos – tonitruou meu avô.

No momento não entendi como uma chuva de verão poderia se tornar outra coisa depois de passarem alguns anos. Hoje já se passaram muitos anos. Meu avô morreu. Meu pai morreu. E as chuvas de verão matam.

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© Copyright by Rafael Rocha Neto, Recife, 24 de fevereiro de 2011

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

ACHAMENTO

Achar em mim a cor da pedra (o corpo).
Um crime de viver vizinho à morte.
Navegador sem barco ou salva-vidas
Pelo caminho da alma escrava do fim.

Achar em mim o som da fala (o sonho).
Um modo de recriar sempre a vida.
Menino crescendo homem mergulhador
Nos ecos do passado criados em mim.

Achar-me como sou: ave do engano.
Uma conformidade do além ao não mais.
Trago presente nos velhos alvoroços
O canto penumbroso onde vou ser jamais.

Achar-me como sou: a luz esquecida.
Visões magníficas do universo criador.
Trago aqui o calor carnal da Afrodite:
Palavra e gesto e nome de amor.


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@ Copyright by Rafael Rocha Neto – Recife, 22 de fevereiro de 2011

CINZAS

No carnaval dos teus olhos bebi a noite.
E pensando teu corpo adormeci o dia.
Esperma sem útero desviado da tua umidade.
Como teus pensamentos podem me aceitar?

No carnaval sem frevo, sem samba, nada.
No carnaval sem desejos e sem corpos nus.
Num carnaval assim quase sem ser um carnaval
Como a tua máscara conheceu meu estandarte rubro?

Vermelho! O estandarte rubro à luz do dia
Vendo o coito do teu corpo com a noite escura
Dizendo-se prenhe de desejos de mim.

Vermelho! Meu estandarte rubro à luz de teu sorriso
Derramou-se no espaço parado da manhã de cinzas.
Será por isso que não me lembras nunca mais?

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@ Copyright by Rafael Rocha Neto – Recife, 22 de fevereiro de 2011

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

SINTONIA

O prazer de viver em sintonia com a terra
Poeta de asas abertas para o desatino
Faz-me irrequieto como se em guerra
Lutasse para dominar o destino.

Escrevo o verso como sendo o derradeiro
Ou a razão mais concreta de mim.
Na realidade deste tempo traiçoeiro
O sentido da verdade é apenas o fim.

Não tenho crença em altares ou feitiços
Nem ponho fé em deuses nem em santos.
Cinjo a fronte com o clarim da liberdade
Encho os pulmões ao ritmo dos cantos.

Sou liberdade! Paixão em movimento!
Sou um boêmio inveterado na paisagem!
Canto tristeza, amargura e tormento.
Esse sangue é que faz minha linhagem.

Quero sentir minha vida abrindo portas
E no destino final partir lutando
Sentir-me vivo inda que estejam mortas
As utopias em que vivi sonhando.

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@ Copyright by Rafael Rocha Neto – Recife, 10 de fevereiro de 2011

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

ARITMÉTICA FINAL

A passagem do tempo enruga e tortura
Aperta saudades e lembra a loucura
Do ontem perdido que não mais se faz.
A passagem do tempo é madrasta da vida
Subtrai sonhos! Torna a alma dividida
Entre o fim e o jamais.

Que merda esses cálculos impostos
A nossos corpos a trazer desgostos
Como querendo imitar ciência e arte!
Nada mais de perder tempo na paisagem
O ideal é matar essa miragem
Em que a morte nos reparte.

Sentar à mesa de um bar e sorver a noite
Nos goles das cervejas e em pernoite
Na primeira mulher a nos chamar.
Cigarro nos lábios acendendo a vida.
Antes que ela se diga por perdida
Melhor se embriagar.

Idiota o homem que não sabe o caminho
E leva o corpo em oração até o ninho
Do mármore frio, branco e sepulcral.
Sábio o homem que se faz semente
E vive a dizer ao seu mundo demente:
A vida é casual!

Tão estranhos são esses logaritmos
Todos dançando fora dos ritmos
Da raiz quadrada universal.
Nem o filho nem a virgem nem o deus
Explicam esses motivos de adeus
Na aritmética final!

Assim eu chamo meus amigos e as amantes
Venham até junto a mim serem as bacantes
Da orgia do vinho e do prazer.
Daremos vivas e tilinto a nossos cálices
De mortais deslizando até os ápices
Dos anseios de viver.

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@ Copyright by Rafael Rocha Neto – Recife, 9 de fevereiro de 2011

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

ENTENDIMENTO CRUEL

Ao pensar que vou deixar de ser em um momento
Um arrepio corre em minha pele e por ela traz
Amargura e angústia para ficar no pensamento
Do mais cruel e desesperado entendimento:
Impossível fazer o tempo voltar atrás.

Penso então: o que poderia mais ter construído
Dentro das aventuras rejeitadas no passado?
Se em um só dia eu pudesse ter entendido
E o prazer das horas vivas usufruído
Hoje não lamentaria tê-las desaproveitado.

E nessa angústia real da próxima partida
Nem sei o que dizer sobre o meu destino:
Fiz algo de eterno dentro desta vida?
Ou tudo fiz errado e deixei-a carcomida?
O que farei? Nem eu mesmo imagino!

Mas sinto... sinto o quanto perdi em céu e terra.
Sim... sinto quanto errei nas caminhadas.
E o meu peito nessa angústia se encerra
Ao ver tão perto o epílogo da guerra
E as batalhas perdidas e terminadas.

Eu nem vivi direito os tempos apetecidos.
E agora ao sentir a chegada do repouso
Clamo pelas mãos dos tantos meus queridos
Para sentir-lhes os amores destemidos
E algum gesto simples e amoroso.