terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

CANTARES (segunda parte)

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(34)
Eis que ele está chegando:
O homem do tempo definitivo!
O homem da agitação!
O homem da luta!
Em verdade vos digo:
Ele vem para agitar as almas e ganhar o dia.
No grande encontro dos rios da cidade
Encaminhará ao fundo do oceano as dores
E as tristezas dos menos aquinhoados.
E nos abismos abissais fará naufragar
As estratégias dos governos opressores.
Eis que ele vem: definitivo como a morte.
(35)
E você que por aqui passa, qual será o rumo a escolher?
Você diz não possuir rumo e caminha
Como se a vida estivesse escrita desde seu nascimento.
Em verdade, em verdade vos digo:
A vida foi escrita no passado para o futuro
E você sempre fez e fará parte dessas escrituras
Ao lado da maior força jamais vista na terra.
Não tenha medo e não tenha vergonha.
São teus filhos que necessitam de espaço
E de novos verdes e de lares mais calmos.
(36)
“Para que isso?” - pergunta o pobre de espírito.
“Eu já tenho o que preciso e nada devo aos outros
E meus filhos retratam a minha vida.
Para que esse místico homem definitivo?
Tudo que construí eu fiz e nada mais.
É necessário deixar de curtir o realizado?”
Em verdade vos digo, pobre humano ignaro,
Não há misticismo no homem definitivo.
Ele é o que é e o que são todos.
Ele não é o retrato da lástima nem da miséria.
E muito menos covarde para se esconder
Por detrás dos ombros dos exploradores da terra.
(37)
Ah, quando os queridos da Pátria Nordeste
Empunharem o mastro do emblema do homem
A terra irá tremer desde o Itapicuru ao Capibaribe.
E então será tarde para os incréus tomarem tento
De tudo que foi dito e ficou escrito há antanhos.
Em verdade, homens da terra, eu vos digo:
Será criado um vácuo aos pés dos opressores
E grandes caminhos de salvação para os oprimidos.
O chão será de lama para muitos
E de podridão para outros.
Mas os escolhidos serão os enérgicos
A fincar com teimosia a bandeira da luta
Pela grandeza da vida.
(38)
Nossa será a terra. Nosso será o reino absoluto
Ao lado do emblema rubro da vida.
Serão nossos os rios e as vegetações das margens.
E poderemos possuir todos os recursos minerais
E lavrar em prata e cobre nossas próprias moedas.
Porém, o homem definitivo não terá efígie
A ser desenhada em notas monetárias.
Ele será a imagem permanente de todos os homens
E mulheres e crianças e animais e plantas.
Em verdade vos digo, verdugos da vida:
Chegará o tempo em que subirão ao cadafalso
E aos gritos verão suas cabeças entregues aos carrascos.
(39)
E os hinos de força sairão das gargantas libertadas
Ressoando por toda a extensão da pátria
Do Itapicuru à desembocadura do Capibaribe.
“Sou o predestinado para traduzir a nova língua.
Os sabores da liberdade estão em mim e sobre mim
E os oferto para vocês, queridos da terra.
Os horrores dantescos dos infernos serão entregues
Aos infiéis e aos habitantes dos grandiosos palácios”.
Em verdade vos digo, em verdade proclamo:
Os hinos de força da vitória maiúscula
Sairão das gargantas dos mal vestidos e dos famintos.
E serão traduzidos em uma nova língua
Dentro das noites nordestinas,
Das grandes luas cheias e das brilhantes estrelas.

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(40)
Todos deverão ficar a sós comigo
Quando os rios e o mar levarem de roldão as terras
E quando os grandiosos palácios na ruína
Desabarem para sempre no lodo e na lama.
E aquele que virá com a amplidão da noite ou a da aurora
Terá uma imensa multidão para escutar
Seus hinos de guerra e de liberdade.
Em verdade vos digo, homens simples:
Ele trará a permanência da agonia para os donos do ouro
E para os homens que vendem a fé como cachaça.
E o Deus que estará ao seu lado terá parecença
Com a verdadeira imagem dos humilhados e perseguidos.
(41)
Eu sou apenas a voz a clamar no deserto de hoje
Para mostrar aos homens o tempo a vir.
Não sou aquele conjugado no pretérito.
Sou apenas a voz a gritar do meio das caatingas
A mesma coisa que vocês poderão ver e dizer
Aos filhos e aos netos e os netos aos filhos.
Pois a história irá marcar o homem definitivo
No que ele sempre é e no que sempre será.
Ele é o tempo vindo do passado para abrir portas e janelas
A todos os futuros tempos dos homens.
(42)
Ao chegar perto dos escolhidos a voz retumbará:
“Sou aquele pelo qual o sangue do Nordeste do Brasil
Pediu com urgência à majestade superior.
Sou aquele que possui a noite amarrada ao dia.
Eu sou o que sou. Homem e poeta peregrino.
Guerrilheiro e abençoada matriz do mundo.
Eu vim e vou e não passo.
Sou o último e o primeiro.
Estou aqui para matar a sede de justiça.
Estou aqui para alegrar os desafortunados.
Em verdade vos digo: eu vim, vou e continuo indo.
Sou a emoção verdadeira e o rubi brilhante
Da bandeira empunhada pelos corações dos homens”.
(43)
E aos opressores e aos corruptos virá o clamor:
“Valerá a pena ver minha chegada bem de perto.
Valerá a pena ver os vossos jardins com as flores murchas.
Eu sou o incriado que saiu
Dos parafusos das vossas fábricas
E das fumaças poluidoras.
Sou o redivivo da vingança
E vim trazer a vós outros a agonia absoluta.
Minha espada está sendo colocada à prova
Desde algumas centenas de anos, ó infiéis.
E agora que cheguei aos vossos jardins
Não haverá perdão para os marasmos e para o cansaço.
Eu sou aquele a quem o beijo da traição republicana
Molhou as ruas com o sangue dos meus inocentes.
Eu vim. Eu vou. Eu não passo.
Sou o homem definitivo para rir de vossos remorsos”.
(44)
“Tirarei a paz de espírito dos governos gananciosos.
E ninguém mais em toda a confusão das galáxias
Tornar-se-á partícipe da inclemência dos corruptos.
Eu vim. Eu vou. Eu fico e não passo.
Sou o imortal a viver dentro das casas de taipa.
Sou o espírito redivivo das árvores derrubadas.
Sou a mente elementar da terra nordestina
Assaltada e violada pelos vendedores de deuses
E pelos ditos grandes filósofos visitantes de Manhattan.
Vou mostrar quanto valho. Verão meu entendimento
No expirar do vosso mundo e na chegança do reino
Permanente dos famintos e deserdados”.
(45)
Depois, ele não mais irá precisar revogar palavras.
Os crepúsculos serão de todos, bem como as tardes
E as manhãs e as noites quentes ou frias.
Depois, ele não mais precisará repetir a voz
Deste cantador que profetiza nas caatingas a sua vinda.
Em verdade vos digo: ele será a palavra e a voz finais
Para decidir e revisar todos os horários do reino.
Será a mulher mais bela e desejada da pátria
E o homem másculo e enérgico em busca da vida.
Eu digo: ele habitará os becos e as vielas escuras
E será uma luz a iluminar o coração dos homens
Eu digo: Ele foi, é e será o homem definitivo
A empunhar a bandeira da liberdade e da vida.
(46)
Na espera da ressuscitação.
Martelo e enxada e foice centenárias.
Marcos e marcas.
Vermelha é a cor da liberdade dos homens.

........
(47)
Eis o clamor daquele que profetiza nas caatingas:
Em um tempo não muito mais longe que um tempo
Todos irão conhecer a todos sob as matizes
Das vermelhidões dos crepúsculos e das auroras.
Eis o clamor definitivo da nossa raça!
Eis o clamor profético vindo dos leitos secos dos rios:
A vida de cada um será julgada pelo ganho e pelo roubo
E o homem e a mulher nascidos na miséria...
E o homem e a mulher que não possuem terra...
E o homem e a mulher sem face corruptora...
Terão lugar ombro a ombro, mão a mão,
Junto ao homem definitivo.
(48)
E a terra deixará de pertencer
Aos prudentinos e às suas corjas.
Os padres e pastores vendilhões da fé
Deixarão de violar as mentes.
E os herdeiros do homem definitivo alcançarão o topo
E agitarão para o resto do mundo a cura do câncer maligno.
Em verdade, em verdade vos digo:
Os humildes não sobrevivem nos dias de hoje
Porque existe um grande câncer corroendo o sistema.
Em verdade, em verdade vos digo:
Hoje a escravidão do homem tem outro nome
Escrito nos dossiês de RH
Dos gananciosos patrões.
(49)
As vozes dos humildes tomarão outros rumos
Lado a lado, mão a mão com o homem definitivo.
Eu vos digo: os dias serão medidos com calma e vagar.
Os governos pagarão caro a desdita do homem da terra.
Eis o clamor do profeta das caatingas:
O maior mentiroso é quem governa o país!
Esse é um cancro hereditário vindo da raça dos cabrais.
Cancro que precisa ser extirpado com urgência,
Juntamente com os outros cancros da mentira
A se esconder nas vestes ornamentadas das religiões.
Padres mentem.
Pastores mentem para o bem dos cofres das igrejas.
(50)
O que devemos fazer com essa gente que não nos respeita?
Precisamos retirar do arquivo morto
A foice, o martelo e a enxada.
Precisamos ressuscitar a cor vermelha da liberdade
Pois estes serão os futuros e grandiosos marcos da vida.
Em verdade, em verdade vos digo, ó homens simples:
Não será mais necessário fazer a marcha de uma coluna.
Todos estarão ombro a ombro, peito a peito, mão a mão.
Com a idéia concreta do homem definitivo,
Trazendo do infinito do universo a vida imortal
Para todos os caminheiros e viajantes do mundo.
(51)
Valerá a pena retirarmos a cabeça dos travesseiros.
Comprimir as idéias dos gananciosos numa bola de papel.
Valerá a pena dizer:
“Estou dizendo isso, porque assim deve ser.”
“Estou fazendo assim para que meus filhos possam viver.”
Valerá a pena cortar a voz dos políticos pela raiz,
Antes que elas comecem a colocar
Emblemas de promessas em nossos ouvidos.
Valerá a pena dizer: “Não! Isso é mentira. Eles mentem!
A única verdade está conosco e dentro de nós.
E esta verdade é nosso reino”.
Em verdade vos digo, ó homens humildes da terra:
Nós ressuscitaremos nossa idéia
Como Lázaro de entre os mortos
Mas nem mortos estávamos e nem mortos estaremos.
Retornamos para o cumprimento da ação final
E valerá a pena ver a chegada do homem definitivo
Dentro dos corpos de todos
Os homens e mulheres do mundo.
.............

(52)
Eu já vos disse e mais uma vez repito:
Meus queridos, a Pátria Nordeste não é uma terra morta

Cheia de cactos selvagens.
Ela é a imagem dos olhos das crianças.
Das nossas mulheres e dos homens voluntariosos.
Não deixemos que o lampejo da bandeira rubra
Se deixe ficar agonizante
Nas mãos dos césares que beijam
As bandejas dos desvarios e das loucuras do ouro.
No reino de dentro de cada um de nós
Não devem existir disfarces.
Em verdade vos digo, mais uma vez e outra vez:
Temos de nos comportar como se a alma do Nordeste
Seja um frêmito de guerra com garras flamejantes.
(53)
Está perto o momento em que
Os arquivos de RH dos gananciosos
Receberão a visita daquele que nunca veio,
Mas que sempre está e sempre renasce.
Ele irá rasgar as atas e os estatutos
Das mentiras oficiais que regem a idéia dos salários.
Porque o homem definitivo sabe:
A escravidão nunca acabou sobre a face da terra.
Apenas ganhou outro nome e outro eufemismo.
Agora a escravidão é chamada de emprego
E quem lucra são os vendilhões dos templos.
E quem zomba do homem da terra
São os patrões e os corruptores da nossa verdade.
(54)
Bem-aventurados aqueles que acusam.
Bem-aventurados os que ousam dizer:
“A história escrita da pátria é uma grande mentira.
É a lavagem dos cérebros para o uso das máquinas.
É o beneplácito dos governos para o uso do dinheiro
Ganho pelo suor dos homens da terra durante séculos.”
Estes estarão lado a lado com o homem definitivo
Quando ele quebrar as correntes e libertar os escravos
E rasgar as atas e os estatutos das mentiras oficiais.
E, ainda: Bem-aventurados aqueles que sofrem
Por não possuírem casas de pedra para abrigar os filhos.
Também serão herdeiros da idéia. Eles farão o reino
Brilhar como a luz solar alimentando o oxigênio da terra.
(55)
E o profeta das caatingas continua seu clamor:
Mentiroso é quem governa! Mentiroso é quem eleva Deus
Aos altares dos templos em busca do ouro dos pobres.
Eles são muitos. Mas são covardes, ímpios e corruptos.
Matam para calar o verbo. Assassinam a verdade.
Mas eu vos digo, ó homens simples:
A idéia do homem definitivo será a salvação da pátria.
E ela virá cedo ou tarde, ainda que o sol deixe de nascer
Ou a lua seja desviada para outros recantos do universo.
Em verdade vos digo: A única salvação é esta idéia.
E ela está escrita nas palmas das mãos dos humildes.
(56)
E mais uma vez repito. A voz ressoará o clamor
A ser ouvido do Itapicuru ao Capibaribe:
“Eu vim. Eu vou. Eu fico e não passo.
Sou o imortal a viver dentro das casas de taipa.
Sou o espírito redivivo das árvores derrubadas.
Sou a mente elementar da terra nordestina
Assaltada e violada pelos vendedores da fé
E pelos ditos grandes filósofos visitantes de Manhattan.
Vou mostrar quanto valho. Verão meu entendimento.
No expirar do vosso mundo e na chegança do reino
Permanente dos famintos e deserdados”.
(57)
“Não sou Cristo. Não sou Guevara.
Não sou Maomé. Não sou Buda.
Não sou Oriente. Não sou Ocidente.
Sou Norte e Nordeste.
Sou o espírito do grande chefe de Canudos
Redivivo nas almas e nos olhares dos famintos.
Eu chego. Eu vou. Eu passo. Eu fico e transmito
A glória de cada um possuir o que merece
E repartir com o outro aquilo que ao outro falta.
Recebo com carinho todos os bem-aventurados,
Todos os que acusam os vendilhões.
Estarei lado a lado com os sem-teto
Bem-aventurados são esses homens de bem
Que não roubam o suor do outro nem a vida do irmão.
Todos estes farão parte do reino que há de vir
Todos farão o Belo Monte das cidades libertas.
E cedo ou tarde estaremos nas culminâncias,
Quando o mar cobrir os grandes arranha-céus
E quando os rios ocuparem seus leitos roubados.”
(58)
“O vazio se encherá de mim e eu serei todos.
O verso estará posto à mesa para matar a fome.
A dor escondida desaparecerá no horizonte.
E os marcos e as marcas do mundo serão outros,
Pois nascerá um novo céu e uma nova terra
Anseio antigo a viver escondido nas almas dos homens.
Já estou entre vocês, ó meu povo,
Já estou voando entre vós, queridas aves.
Beijo minhas árvores e deito em meus campos.
Aceitai o meu retorno. Aceitai minha vinda.
Vinde aos meus braços, meus queridos da pátria!
Vinde para meu lado, homens sem-teto!
Vinde até mim, pequeninos artesãos!
Não há vitória sem luta e as batalhas serão muitas.
A guerra não acabou em 1897.
Os tabuleiros nordestinos ainda estão banhados em sangue.
Vinde a mim, guerreiros voluntariosos!
Eu sou o homem definitivo.
E vocês serão os definitivos homens e mulheres
Donos dos rios e das planícies.
Serão os definitivos a apascentar no futuro
Os animais e as plantas que habitam o céu e a terra.
Está escrito! Assim seja!”

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