segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

SOLIDÃO RECIFENSE


Amigos, eu tinha um poema nos arquivos da memória.
Porém, ele se escondeu lá no bairro de Santo Antônio
Entre os gabaritos dos arranha-céus da Guararapes.
E, como era já tarde, veio-me o sono
E o eco do Capibaribe como se chorasse
Um passado inverno que o verão escondeu.

Atravessei a tarde devagar com meus soluços
E toda a mendicidade me estendia mãos raquíticas.
Eu me sentia muito mais mendigo do que todos.
E via o Recife como um morto.
O amor das suas ruas entranhado no meu amor morto.
A dor que era minha entranhada no Recife morto.

E eu voltava de um dia que nada fora
Senão uma dor e um amor perdido nestas calçadas.
Um amor construído sob o brasão desta cidade.
Sob suas estrelas, suas auroras, suas noites.
E, hoje, adormecendo, já se consumou meu esteio.
Um dia a mais ou outro dia qualquer não fará falta.
A cidade será sempre a mesma.
Cada vez mais acrescentada de dor e ódio
E de um brilho ínfimo das auroras inúteis.


(poema inserido no meu primeiro livro MEIO A MEIO, lançado em 1980)

sábado, 23 de fevereiro de 2008

A ÚLTIMA DAMA DA NOITE

O forte cheiro de madeira queimada entrou pelas frestas das janelas dos pouquíssimos, velhos e decadentes puteiros da Rua da Guia, exatamente quando o farmacêutico Samuel Santos acabava de sair de um dos quartos do prédio de nº. 115, abotoando a braguilha, depois de cinco minutos de humana fabricação sexual com uma das afilhadas de dona Didi do Orlando.

De repente, como se tangido pelo vento, o cheiro perpassou-se de mato verde em chamas à madeira seca de fogueiras de São João, seguindo-se um penetrar nas narinas de almíscar a incenso, de palha de milho a papel velho de jornal, para, a seguir, dar vez a um cheiro mais parecido com o da naftalina.

Parecia que centenas de fantasmas começavam a voar dentro do ar frio daquele fim de madrugada.

Nos quartos escuros das pensões, as putas se enrodilhavam com os fregueses e as madames com seus gigolôs, sem imaginar que pelos ares do Bairro do Recife acontecia o fim de uma era.

Dona Biu, lá nas distâncias da Rua da Aurora, enrolada em jornais velhos, quase ao lado do mais do que afamado prédio da Sorbonne (que falem dele os mais velhos homens e mulheres recifenses), sentiu-se prenhe do fato consumado.

Em um átimo, acocorou-se, pondo o corpo encostado à parede e viu a fumaça branca (e as outras cor de cinza que se lhe seguiram), espalhando-se por sobre as pontes, quase a tocar as águas do Capibaribe. Os olhos de dona Biu observaram com calma o comportamento da fumaça branca que, vinda da área portuária, escoltada por outras de cores cinza, gerava um nevoeiro fantasmagórico sobre os rios e as pontes da Veneza brasileira.

Levantou-se, e, ajeitando no corpo as vestes maltrapilhas, pôs a tiracolo uma velha bolsa de couro e atravessou a Rua da Aurora, indo até as margens do rio. Na iluminação do dia nascente, ficou a olhar o toque brumoso da fumaça na água e o seu envolver as construções, quase a cobri-las num estranho nevoeiro.

Descobriu-se a chorar.

Exatamente no momento em que as duas tonalidades de fumaça se enovelaram numa só, trazendo o odor de perfumes estranhos e exóticos, dona Biu viu-se a debulhar lágrimas de há muito esquecidas. Quando a fumaça a encobriu por completo ela pensava na madrinha Maria Rosa.

Observou-se menina de quinze anos recebendo abrigo na pensão da Rua Vigário Tenório naqueles idos de 1946, sendo iniciada nos maneirismos das putas, nos fingimentos sentimentais de amores fugazes e sonhos passageiros, em troca de algum dinheiro para sua sobrevivência.

Parou de chorar.

Um sorriso aflorou nos seus lábios quando as reminiscências se fizeram mais fortes. Assim, dona Biu notou ser chegada a hora de agir. Com passos rápidos, seguindo a luz do dia a clarear as ruas do Recife, dirigiu-se à igreja matriz da Conceição dos Militares, na Rua Nova. Lá chegando, persignou-se em frente ao altar-mor e dirigiu-se ao confessionário.

Era o início do último dia do ano de 1986 e o padre Luís Ferrari já se encontrava pronto para receber, escutar e perdoar os pecados do seu rebanho. O religioso sentiu, mais que ouviu, os joelhos de alguém se dobrando ao lado do confessionário e, afastando a cortina, vislumbrou o rosto macilento e envelhecido de Severina Amor, olhando-o do outro lado.

Surpreso com a presença da mulher, mas muito bem compenetrado das suas funções de sacerdote, o padre agiu com rapidez, benzendo-a com o sinal da cruz e inquirindo:

− Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo! Quais os teus pecados, minha filha?

Os olhos de Dona Biu não demonstraram comoção alguma, mas sua voz estava bastante trêmula ao responder:

− Madrinha Maria Rosa tá morrendo! Vim cobrá a promessa que o sinhô fez a ela naquele dia.

(Trecho do meu romance A ÚLTIMA DAMA DA NOITE-capítulo inicial)

MULHER


Linda para iluminar ruas escuras.
Pele suave ao contato das mãos.
Mulher vinda da argila do Adão
A refletir calmarias e loucuras.

Mulher, simplesmente mulher, a ti é dada
A lenda do homem do qual foste nascida
Sempre e sempre seja o porto e a subida
Para o gozo do futuro sempre amada.

Desejada mulher que sejas bela
Um poeta meu amigo um dia disse
Beleza é fundamental, mas esse dom
Também habita dentro de teu ser.

Mulher que abriga a paixão mais louca
Mulher que faz da noite o primeiro dia
Beleza pura o beijo em tua boca
O teu corpo seja sempre uma alegria.

Aqui está a vadiar no meu poema
A mulher de meu corpo conhecida
Desconhecidas aqui também são temas
Das paixões curtas e enlouquecidas.

Mulher chegando a desfibrar anseios
Olhos abertos. Inteiramente nua.
Quero sugar o leite de teus seios
Lamber o mel dessa buceta tua.

Mulher que faz a noite sempre um dia
No salgado sabor de seus suores
Corpos sejam reais e fantasias
Arte da terra e tesão dos homens.

Que seja, tu, mulher, sempre o destino
Resplandecendo nas mulheres múltiplas.

(Do meu livro MARCOS DO TEMPO)

GERAÇÃO TERRESTRE


Há 450 mil anos os habitantes do planeta Nibiru chegaram ao planeta Terra, buscando minério de ouro para prolongar a vida da atmosfera do planeta deles. Nada havia na Terra, a não ser o despertar de uma vida primitiva. Árvores, animais selvagens, primatas. Os que chegaram se chamavam annunakis e tinham um relógio biológico estranho. Para eles, 3.600 anos terrestres equivaliam a um ano em seu planeta. Criaram na Terra câmaras especiais para que pudessem viver como se estivessem no calendário deles. Locais especiais na Terra foram escolhidos para que suas naves espaciais descessem sem percalços. E começaram a colher o ouro que o planeta Terra tinha em abundância.

Mas o trabalho era difícil e os annunakis que o faziam começaram a reclamar da dureza de buscar o ouro nas minas. Ocorreu um motim. Do seu planeta de origem, o chefe principal, Anu, foi obrigado a vir à Terra. Aqui já se achavam seus dois filhos Enki e Enlil. Anu tomou conhecimento do motim e viu que os homens de Nibiru estavam certos. O trabalho era difícil e duro. O que fazer? Enki, seu filho, tinha a solução.

– Façamos um Lulu! – disse ele.

Enlil não gostou da idéia.

– Queres criar uma raça igual à nossa? Isso é errado! É absurdo!

– Não! Quero criar um trabalhador para que faça o trabalho duro por nós! E já temos a espécie!– respondeu Enki.

– Que espécie? – perguntou Enlil.

– Um animal que habita este planeta. É perfeito! Se colocarmos nele nossos genes faremos dele um trabalhador. Um Lulu, para que faça todo o serviço pesado para nós.

– Você está louco? Não se pode mexer com a criação! – reclamou Enlil.

Mas Anu, apiedado dos annunakis deu licença e Enki depois de muito trabalho conseguiu criar um ente.

– É nossa imagem e semelhança! – disse – Vamos chamá-lo de Adamu.

Algum tempo depois Enki viu que Adamu estava muito solitário e resolveu criar uma companhia feminina para ele. Daí nasceu Heva. Ambos eram filhos dos extraterrestres que vieram dos confins do universo em busca de ouro para proteger a atmosfera de Nibiru. E Enki ensinou a Adamu e a Heva como deviam fazer para multiplicar a espécie.

Muitos anos se passaram para os novos seres criados. Poucos anos para seus criadores. Um espaço no planeta Terra foi montado para que a nova espécie procriasse. Esse local foi denominado Edin. Anu ficou satisfeito quando viu a criação de Enki, mas de repente seu semblante começou a ficar preocupado. Uma grande hecatombe se aproximava da Terra e eles tinham de partir para não morrer. A espécie recém-criada iria desaparecer da face do planeta. Uma grande onda viria dos pólos e cobriria de água toda a Terra, matando as espécies vivas.

Os humanos criados por Enki à imagem e semelhança dos annunakis estavam condenados. Enlil ficou satisfeito. Enfim, o que seu irmão criara, aquelas espécies geradas com os genes deles e que iam contra todas as regras de seus conceitos, seria eliminada.

– Que morram todos! - disse Enlil.

Mas Enki não deixou sua criação desaparecer. Havia um entre os humanos que era mais sábio e Enki o chamou e deu-lhe instruções para sobreviver com sua família, com alguns animais e outros conterrâneos. Ele se chamava Niusudra e foi catequizado por Enki e ganhou de presente de Enki um grande barco submersível. Nele Niusudra, seguindo conselhos de Enki, colocou pares de espécies de animais da Terra, colocou seus familiares e muitos de seus amigos.

O grande dilúvio veio furioso. Os extraterrestres fugiram da Terra em suas naves. Eles choraram ao ver a grande destruição provocada pelo dilúvio. Choraram pela morte dos terráqueos aos quais tinham em muito se apegado. Em órbita da Terra, observavam as grandes ondas de água do oceano acima de 20 metros de altura, cobrindo as planícies, chegando ao sopé dos montes, destruindo tudo que eles haviam construído.

– Tudo está consumado – disse Enlil - Não temos mais trabalhadores do ouro.

Quando as águas baixaram, os extraterrestres puderam ver de suas naves espaciais, no cimo de uma grande montanha, o enorme barco construído por Enki e entregue ao comando de Niusudra. Viram os animais aos pares saindo do barco. Viram homens e mulheres sobreviventes. E se alegraram ao extremo. Menos Enlil, que ainda considerava esse fato um atentado contra as leis naturais. Mas ele foi convencido por Enki de que precisavam desses trabalhadores para garimpar ouro de tal forma que Nibiru, o planeta deles, pudesse sobreviver. Assim os terráqueos começaram a dar seus primeiros passos, após sua criação pelos annunakis. Depois do dilúvio os annunakis permaneceram na Terra por um período de 28.800 anos, ensinando tudo que podiam ensinar aos terrestres criados por eles. Pelo seu calendário, esses 28.800 anos equivaliam a um total de oito anos terrestres. Os terrestres consideravam os annunakis imortais por causa disso. Um dia, eles partiram, mas prometeram voltar. Com a evolução da civilização dos humanos, depois da partida deles, os annunakis foram transformados em deuses. (Continuarei em próxima data)

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

RIOS DA TERRA

As águas da cidade buscam caminhos
Ao poço do oceano Atlântico.
Como serpentes dão seu abraço por sob pontes
Aos olhos de homens e mulheres maltrapilhas.

São meus rios tão cinzas e tão sujos
Na busca do seu destino de mar.

Capibaribe, Tejipió, Beberibe...
A cidade vive refletida
Nessas águas que não brilham.
A metrópole se transforma em líquido
Como se mostrando dela a foz
Mostrasse a dimensão irreal de todas as fontes.
A minha alma está nesses rios.

Meus rios são cidadãos da paisagem.
Eles definem no espelho cristalino
Os homens que andam nas margens
E os homens que governam a terra.

SUSSURROS DA VIDA

Vozes sussurraram nos sonhos tentando falar coisas de vida para mim. Nos tempos de hoje, quando a morte é a musa dominante, quem é que sabe falar de vida? Eu não sabia, mas em meus sonhos muitas vozes sussurravam falando desses segredos. As vozes eram conhecidas e ao mesmo tempo eu quase nunca as tinha escutado. Podiam ser anjos, pensei. Talvez eu tenha morrido e...

Estão vendo, meus caros cinco leitores, como pensar na morte domina a vida?

Eu estava apenas tentando fazer com que vocês deixassem de ler estas tolices. Vão embora! Deixem-me em paz! Não estou a fim de ter gente interessada no que escrevo. E ainda mais cinco pessoas. É muita gente, porra!

Mas já que vocês insistem....

Digo que estava sonhando e não sei se era um sonho bom ou mau. Era um sonho que me levava aos alpendres dos anseios vitais. Descobria por meio dele como estou perto de partir. Claro, dirão vocês. Todos estamos pertos de partir. Assim é a vida. Desde o instante em que nascemos começamos a morrer.

Não, não é disso que desejo escrever agora. As vozes diziam palavras como esperança e fé. Soletravam substantivos mesclados com os verbos amar e alegrar. As vozes buscavam incentivar o meu ego de cético para pensar em coisas mais interessantes que eu mesmo (um fato que não me causa preocupação é esse: nunca fui interessante e assim não preciso dar razão a essas vozes).

Interessante é que falavam como se fossem pessoas vivas. Seus sussurros alcançavam até o sangue que me deslizava nas artérias. “Quem são vocês? Por que não me deixam dormir?” “Você está dormindo, meu amigo”. “Sei que estou dormindo, mas vocês parecem que pretendem me deixar acordado”. “Você também está acordado” “Olhem, eu não gosto muito de brincar numa hora desta. Ninguém fica acordado e dormindo ao mesmo tempo”.

Um vento morno invadiu a noite do sono e por um instante as vozes se calaram. Tentei recuperar o descanso perdido, mas de repente elas voltaram a judiar do meu cansaço. “Você não pode deixar de lado o pensamento do seu sono e não pode escravizar dentro de si a perdição do descanso”. “Não me enlouqueçam”, reclamei. “Saia da cama e vá até a janela. É quase dia. Olhe para fora e diga o que vê”. “Depois vocês me deixam em paz?” “Sim”, responderam.

No limiar do sonhar e do acordar fiz-me sonâmbulo e deslizei da cama até a janela do quarto. Do segundo andar, olhei para fora e vi apenas a rua deserta. Senti a brisa fria da manhã batendo na minha face e arrepiando meus poros.

“Notou?”, perguntaram as vozes. “Notei o quê? Não notei nada. Só o vento e o frio”. “Então você tem consciência disso, não?” “Claro, estava realmente frio. Ventava”.

As vozes desapareceram e de repente vi-me na cama seminu a tentar encobrir-me com o cobertor. A aspereza friorenta da quase-manhã envolvia meu corpo com a aragem matutina a entrar pela janela aberta. Busquei proteção nas cobertas quentes, abracei o corpo da mulher, senti o calor e o perfume a emanar de sua carne e de repente descobri o quanto era bom estar vivo.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

CIDADE

A cidade da minha imagem cinqüentenária
Nasce todos os dias na minha retina
E no escrever de meus versos
E eu sou ela e ela reflete meu eu alegre/triste
E se faz em mim translúcido cristal.

E tem cristais na água do rio que a circunda
E minha poesia quantas vezes a observa
Paralisada a duvidar que ela exista
Essa cidade a trazer um nome musical
Em minha alma...

Recife!...

GARGALHADAS

Amada, quando a dor bater em tua porta
Tenta lembrar de mim e gargalhar comigo
Recordando os instantes das desditas
Acabadas em anseios gloriosos

Nos teus momentos de escuridão
Recorda de mim e deixa o riso voar
Lembrando quando eu dizia que teus olhos
De tão pequenos eram pétalas de flores desconhecidas

Amada, quando ficares sem meu corpo
Não deixe as lágrimas deslizando na face
Ria, pois a tua risada sempre foi para mim
Uma das ganâncias maiores de minha vida

Em qualquer lugar onde eu ficar, amada
E escutar teu riso cristalino
Estarei dinâmico e buliçoso
E transformado em vento virei rir contigo

SOLIDÃO

Sentir a solidão é algo impróprio
Para menores de dez anos
Só os maiores de dezoito
Podem sentir esse desamparo
Vindo dos planaltos/planícies
Às salinidades oceânicas.

O interessante é:
Aqueles que amam
Não sentem a solidão
Inventam a solidão
Embalam a solidão
Amparados na sanidade
Louca da paixão

Os maiores de cinqüenta anos
Já vivem imiscuídos na solidão
Contando os dias em que estarão sós
Eternamente
Debaixo da terra.

DE "TUTO" UM POUCO

“Tuto” é um menino de rua. Mas é diferente. Não tem parecença nem se iguala com os tantos meninos de rua que perambulam pelo Recife. Seu quarto de dormir é a esquina da Rua Estreita do Rosário com a Praça da Independência. Sua casa é toda a imensidão dos bairros de Santo Antônio e de São José. Porém, “Tuto” é diferente. Não cheira cola, não puxa fumo e não assalta os transeuntes.

Na sua pequeneza de morenidade pernambucana – 12 anos – ,“Tuto” faz de tudo um pouco para sobreviver. Entra nos bares, nos botecos, nas casas de jogo de bicho, nas agências bancárias. Em todos esses locais é bem conhecido. Entra e começa a pedir. Pode ser um pão, uma coxinha de galinha, um saco de batatinha frita, um pastel. É um retrato pelo avesso dos outros meninos de sua idade. Quem o conhece sabe que se pedir algo a ele, como um raio ele atende.

“Tuto” vai ali no fiteiro e traz pra mim uma carteira de Hollywwod”. “Ei, “Tuto” traz o resultado do bicho pro tio”. “Toma esses trocados e leva pra consertar a pulseira do meu relógio, “Tuto”. "Me dá o quê, após?" “Vai “Tuto”, o tio dá uma sopa”. “Pra ganhar uma coxinha só fazendo o que eu peço “Tuto”.

E “Tuto” vai.

Compra a carteira de Hollywwod, traz o resultado do bicho, leva pra consertar a pulseira do relógio. Faz tudo certinho. Depois cobra a sopa ou a coxinha de galinha, o saco de batatinhas fritas. E também um copo com água. “Tuto” faz de tudo um pouco para sobreviver na selva cidadã. Os outros meninos e meninas de rua o dizem meio doido.

“Sou doido não, tio. Doidos são eles”.

Pai e mãe? Não sabe onde estão. Dizem que o pai é um detento do Presídio Aníbal Bruno e que a mãe morreu atropelada. Mas “Tuto” não liga para isso. Ele é um menino diferente.
“Não tem medo de viver na rua?” “Medo? O que é medo? Nada disso, tio. Ando por aí e é tudo igual. Sei disso não”.

Conhece todas as ruas dos bairros de Santo Antônio e São José. Se alguém desejar saber onde fica a Praça do Sebo e ele estiver por perto...

“Pergunte ao “Tuto”. Ele sabe de tudo”.
Eu o conheço desde o final do ano de 2004. E sempre ao me ver ele diz: “Tio, tô com fome”. Pago uma coxinha de galinha, peço um refrigerante...“Quero isso, não, tio. Quero água”. “Mas isso é coca-cola, “Tuto”. “Não gosto. Quero só um copo com água”. “Tuto” talvez seja o único menino do mundo a não gostar da bebida dos ianques.

Há uns tempos não vejo “Tuto”. Uns três meses, mais ou menos. Desapareceu dos locais onde sempre dava o ar de sua graça. Quando perguntei sobre seu paradeiro a um dos meninos de rua, eis a surpresa:

“Aquilo é um doido”. “Por quê?” “Maricas, doido e burro”. “Mas...” “Quer mermo saber, tio? Ele tá na escola. Tá numa escola da igreja dos crentes”. “Como?!” “O besta disse que tá aprendendo a ler, oras”. De “Tuto” um pouco de cada vez. Não sei se irei vê-lo de novo. Quem sabe, um dia eu o veja homem feito escrevendo um livro sobre sua vida de menino que vagava pelas ruas do Recife?

O MENINO AO TEMPO

Um menino? Um homem? Não era nada? Por Deus, era alguma coisa viva. Um feto buscando a luz? Uma esperança a ser ou uma esperança ida?

O menino elevado ao tempo busca uma esperança a ser, mesmo que ela nunca tenha partido.

Na cabeça dos meninos a vida é uma eterna esperança e nunca cresce. O menino um dia será homem, mas se ele conseguir, continuará menino dentro da sua amplitude de pensamento.

Ser um menino é ser um sonho. É ser uma casa na árvore. É ser um relâmpago. É ser um grande jogador de futebol. É admirar o pai e desejar a mãe. É imaginar ser gente grande e sentir que gente grande não sabe viver como menino, pois se preocupa demais com as conveniências. Preocupa-se demais com as “inconveniências” de tudo aquilo a criar uma imagem infantil.

Mas este é um menino e vai ser um homem com pensamento de menino. Assim vai ser um homem quase real, pois ele sabe que todo homem quase real possui algo das esperanças de criança.

O menino não sabe o que é a vida real e faz a vida real crescer a cada instante nos seus gestos marotos, no seu piscar de olhos e nos seus avanços a pedir, a dar, a sentir o tempo.

Apenas o tempo ao qual foi elevado.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

DUALISMO

Depois de terem feito amor adormeceram.
Ele penetrou em um sonho onde as mulheres eram todas iguais a ela. Ela mergulhou em um pesadelo no qual os homens a possuíam como se fosse a única mulher na face do planeta. Para ela, um pesadelo cheio de dores, pois quando imaginava já se achar perto do fim, começava outro, e mais outro. Nunca parecia acabar.
Ele sentia o corpo das outras mulheres como se fosse o dela. E o cheiro de todos esses corpos era o cheiro dela. As atribuições, os pelos pubianos, as curvas, os sinais eram todos dela. E não queria sair desse sonho. Todas as mulheres eram como ela e ele o único homem sobre a terra, a possuí-la, a tê-la para si.
No pesadelo (ou pesadelos) ela começou a chorar. No sonho (nos sonhos) ele começou a rir. Na cama, ela rolou de um lado para o outro, aturdida, tentando fugir do pesadelo. Toda a população de homens do planeta estava procurando tomá-la toda para si. Ela queria acordar. Ah, como estava sendo difícil acordar!
Ele dormia com um sorriso nos lábios, deitado de costas, quase sem mover um músculo do corpo. E era outra ela a beijá-lo na boca. Estava quase acordando quando outra ela chegava e o levava para o prazer de senti-la completamente sua. Ah, como é bom dormir assim!
No pesadelo, de repente, a fisionomia errada. Um rosto de homem que não era ele. No sonho, de repente, o rosto errado. Um corpo de mulher que não era o dela. As coisas se transformaram e ele mergulhou em um pesadelo. Não era mais ela. Era outra. Não possuía a beleza dela. Era apenas uma a mais de tantas conhecidas.
No pesadelo, quando a fisionomia errada se aproximou, ela sorriu. Conhecia aquela cara. Não era a dele, e ao mesmo tempo era uma lembrança de todos os carinhos, carícias atrevidas que ela já conhecera. Desejou mergulhar mais no sonho, porém as fibras do seu corpo desejavam acordar do torpor provocado pelo pesadelo.
Ele buscou provocar sua fuga do sono e as fibras de seu corpo provocaram o desejo dela.
Ambos rolaram na cama e ficaram frente a frente. Uma das pernas dela passou por cima do corpo dele. Um dos braços dele envolveu a cintura dela. Saíram devagar do sono. Olharam-se bem dentro dos olhos. Os lábios a se entreabrir. As bocas a se unir. Rapidamente, todas as chamas se acenderam e os corpos penetraram um no outro. E ele era todo dela e ela completamente dele.
Depois de terem feito amor, acordaram.
Uma das mãos dela acariciou o rosto dele. Uma das mãos dele acariciou o rosto dela. Sorriram um para o outro. Que sonho eu tive, disse ele. Também tive um sonho, disse ela.
– Um sonho calmo e gostoso é muito bom. Sonhei que você estava vivendo em todas as mulheres do mundo.
– Meu sonho foi horrível! Um pesadelo! Estava louca para acordar! Sonhei que eu era a única mulher no mundo.
– Na verdade, você é realmente a única mulher do mundo para mim. Não existe outra.
– Você estava em todos os homens do mundo. Mas era um pesadelo! Como eu ficava dolorida ao ser possuída por todos os homens do mundo que eram você!
– Interessante tudo isso!
– Um pesadelo não é coisa boa.
– Como terminou o seu sonho?
– Um homem diferente apareceu e tentou fazer comigo o que você sempre faz.
– No meu sonho chegou outra mulher. Também tentou fazer comigo o que você faz.
– Não gostei disso!
– Eu também não gostei nada disso.
Ambos se levantaram e começaram a se vestir. Estavam calados e seus olhos não mais queriam se encontrar. Tentavam dizer alguma coisa. Mas ela lembrava o outro homem. Ele recordava a outra mulher.
Já na rua pareciam separados por uma grande muralha. Ela se perguntava: quem será a outra? Ele se inquiria: quem será o outro? Quando ela não estava olhando, ele a olhava de esguelha. Quando ele não estava olhando, ela o olhava de viés. Será que ele me quer ainda? Será que ela ainda me deseja?
Quando se despediram estava escrito no livro do destino de cada um deles a criação de uma nova saudade. Nunca mais iriam se encontrar neste mundo.
Ela pensava em outro homem.
Ele pensava em outra mulher.

RIR FAZ BEM À SAÚDE

O louco se atira do terceiro andar do hospício. Logo, junta uma multidão em volta dele e um sujeito, percebendo que ele ainda está vivo, pergunta: - O que aconteceu, cara? E o louco: - Não sei! Eu tô chegando agora!
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Dois bêbados estavam num desses bares nas coberturas dos prédios. De repente, um falou para o outro: - Você sabia que este prédio tem uma peculiaridade muito interessante? Se eu pular daqui, existe uma corrente de ar tão forte que é capaz de me empurrar de volta aqui para cima! - Impossível. Duvido! - Vou provar pra você! O bêbado pulou e, em alguns segundos retornou. O outro bêbado, fascinado, também pulou, só que se esborrachou lá embaixo. Pouco depois, o garçom atende o bêbado que restou: - Porra, super-homem, você quando bebe fica escroto pra caralho, hein?
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O rapaz tirou aquela morena
fenomenal para dançar, mas assim que ela sussurrou o seu nome, ele percebeu que ela tinha um mau hálito terrível. Conversa vai, conversa vem, o rapaz já não agüenta mais e resolve tirar a dúvida: - Desculpe-me a indelicadeza, mas o que você comeu no jantar? O seu hálito está horrível! - Ah! É que eu tenho uma ponte aqui atrás... - Então tá explicado! Vai ver que tem alguém cagando debaixo dela!
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O sujeito está sozinho em casa,
assistindo futebol e tomando sorvete, quando de repente toca o telefone: - Alô! O senhor é o marido da Helena? - Sou eu mesmo! Por quê? - Tenho uma notícia um tanto desagradável para lhe dar: ela estava no banco de passageiro de uma Ferrari conversível que capotou três vezes na Avenida Central! - Meu Deus! - grita o marido, desesperado - Ela morreu? - Não... O motorista morreu... Mas a sua esposa foi jogada para fora da Ferrari, caiu em cima de um arbusto e acabou escapando ilesa! - Ufa, que alívio! - desabafou o marido - Então eu não tenho razão para me preocupar... - Tem sim! - continuou o informante - Você nem imagina o que ficou preso na boca dela!
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Deus chamou Adão e disse: - É tempo de você e Eva começarem o processo de povoar a Terra. Portanto, quero que você a beije. - Sim, Senhor - concorda Adão - Mas o que é um beijo? Então o Senhor deu a Adão uma breve descrição do que é um beijo. E Adão tomou a mão de Eva e a levou atrás de um arbusto. Alguns minutos depois, Adão voltou e disse: - Obrigado, Senhor. É muito bom! E o Senhor respondeu: - Eu sei, Adão. Eu imaginei que você iria gostar. Agora eu quero que você faça umas carícias em Eva. - Mas o que é uma carícia, Senhor? - perguntou Adão. O Senhor deu a Adão uma breve descrição do que é uma carícia e Adão voltou atrás do arbusto com Eva. Alguns minutos depois, Adão voltou com um sorriso nos lábios e disse: - Senhor, isso é muito melhor que beijo. - Você está indo muito bem, Adão - respondeu o Senhor - Agora eu quero que você faça amor com Eva. - O que é fazer amor, Senhor? Então o Senhor deu a Adão uma breve descrição do que é fazer amor e Adão levou de novo Eva para atrás do arbusto. Só que desta vez ele voltou depois de poucos segundos. - Senhor, o que é dor de cabeça?
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O sujeito comenta com o amigo: - Eu não sei mais o que fazer! As poucas vezes que volto tarde em casa
, tiro os sapatos antes de entrar, subo sem fazer um barulho, tiro a roupa no banheiro e entro no quarto bem devagarinho, mas mesmo assim minha mulher sempre acorda e me dá uma bronca daquelas! - É que você está usando a tática errada! Eu já chego cantando pneu, dou aquela brecada escandalosa, bato a porta, subo a escada pisando forte, tiro a roupa e os sapatos e jogo tudo contra a porta do armário, pulo na cama e pergunto pra minha mulher: "Que tal uma transadinha?", e ela continua fingindo que está dormindo.
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Em um bar, dois amigos conversam: - E aí, se encontrou com a minha mãe ontem? - Claro! Pô, João... Sua mãe é perfeita! - É verdade... - responde ele. - Ela faz de um jeito... Indescritível! - É... Até eu, que sou filho, já provei! - Lógico! Se eu estivesse no seu lugar, ia querer todo dia! Quem me dera, ter uma mãe massagista!
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Em uma destas cidades do sertão, um senhor, após enviuvar, arranjou uma namorada
. Toda a cidade comentava sobre a má fama da moça. Então, um amigo do viúvo lhe disse: - Olha, tá todo mundo dizendo que esta moça já é furada. Enfurecido, o viúvo responde: - Eu quero assim mesmo. É pra casar, e não para carregar água.
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O coveiro de um cemitério está andando pelo seu local de trabalho quando se depara com a triste cena de um homem chorando copiosamente sobre um túmulo. - Por que você tinha que morrer? - grita ele, inconsolável - Por quê? O coveiro fica muito penalizado e tenta consolá-lo: - Essa dor vai passar, senhor... É duro perder um ente querido, mas um dia vai passar... - Ente querido? - exclama o sujeito, enxugando as lágrimas - Eu nem conhecia o cara! - Ué! - estranha o coveiro - Então por que tanto choro? - É que ele foi o primeiro marido da minha esposa!
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O sujeito estaciona um Vectra na porta do açougue, desce e pergunta: - O senhor tem filé mignon? - Tenho sim! - Então me dá 20 quilos! Em seguida, estaciona um Santana no mesmo local: - O senhor tem picanha? - Tenho sim! - Então me dá 5 quilos! Em seguida, estaciona um fusquinha todo ferrado: - O senhor tem braço? - Tenho sim! - Então levanta que isso é um assalto!
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No tribunal, depois de 15 anos de casado, o sujeito alega que não pode mais viver com a esposa e pede o divórcio. - E qual a razão? - pergunta o juiz. - É que a minha esposa é muito violenta! - Explique-se melhor. - É que por qualquer discussãozinha à toa, ela pega o que encontra pela frente e atira na minha cabeça. - Há quanto tempo ela vem tendo este tipo de comportamento? - Há mais de 10 anos. - E por que só agora o senhor resolveu se separar? - É que só agora a pontaria dela ficou boa!
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No meio de uma região de canibais, lá nos confins dos fins da África, um homem chega em barzinho no meio da selva e olha para uma grande placa que exibia o cardápio. Missionário frito: 7 reais. Guia de safári al pasto: 5 reais; Político recheado ao forno: 35 reais; Intrigado com a diferença de preços, o cara pergunta ao dono do bar por que político era um prato tão caro: O dono do restaurante deu uma risadinha e disse: - Poxa, além dele demorar um tempão cozinhando - respondeu o dono do restaurante - o senhor já tentou limpar um deles?

PIADAS DE PORTUGUÊS

Por que deixaram de passar filmes nos aviões em Portugal? Pois quando terminavam os portugueses saiam pela porta de trás
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Por que em Portugal não existem mais árvores? Porque os portugas mataram todas procurando pela raiz quadrada
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Um português, de passeio pelo Brasil, pergunta a um brasileiro: Que ônibus devo pegar para chegar ao Maracanã? - O número 48. Depois de 3 horas, o brasileiro sai do trabalho e o português ainda está lá no ponto, e pergunta: - O que você está fazendo aqui ainda? - Oh gajo! Até agora só passaram 39!
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Em um centro comercial de Lisboa, acabou a luz e ficaram 10 portugas presos no elevador e 30 nas escadas rolantes.
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O presidente americano já tinha ouvido falar tanto dos portugas que decidiu convidar um grupo deles a Washington. Vai pessoalmente recebê-los no aeroporto junto com uma grande comitiva, mas os portugas não queriam descer do avião. Um ajudante oficial vai investigar para ver o que se passava e informa a seu chefe: - Estão com medo! Estão todos acanhados e tremendo de medo. - Mas de quê? - Eles querem saber quem é o Wel. Eles viram da janela o cartaz: "Wel come portugueses" e estão muito assustados.
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Carta de um português para sua mãe: Mãe, agora estou no Brasil e acabo de encontrar trabalho numa construtora. Escrevo-te mais tarde para contar mais notícias. Na próxima carta: Mãe, no trabalho que encontrei, tenho que pintar a linha branca da estrada. No primeiro dia pintei 1 km, no segundo dia pintei 2 km, no terceiro dia 2 km e 1/2, no quarto dia 2,6 km. No quinto dia demiti-me porque o balde ficava cada vez mais longe.

PIADAS DE LOIRAS

Existe um bar em SP onde quem estiver lá e contar uma mentira desaparece. Então entrou uma ruiva e indagou. "Estive pensando e concluí que sou a mulher mais bonita de São Paulo." Puf ...desapareceu. Depois entrou uma morena. - "Estive pensando e concluí que sou a mulher mais sexy de SP." Puf... desapareceu. Logo depois chega uma loira e diz - "Estive pensando..." ...Puf desapareceu.
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Por quê uma loira leva 15 dias para tomar um iogurte? Porque no rótulo está escrito: "Consumir em 15 dias"!
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Eram três mães conversando. A ruiva disse: - "Encontrei uma garrafa de pinga na bolsa da minha filha. Não acredito que ela esteja bebendo." A morena disse: - "E eu que encontrei um maço de cigarro. Não creio que minha filha esteja fumando. " Aí a loira disse: - "E eu que encontrei na bolsa da minha filha uma camisinha. Não acredito que ela tem um pipi!!"
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Alguém diz para uma loira: - "Olha um passarinho morto! " E ela responde olhando para o céu: - "Onde???"
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Um policial parou uma loura dirigindo na contramão. - "A senhorita não está vendo aonde está indo?" - "Não. Mas deve ser muito ruim lá. Tá todo mundo voltando!"
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Domingo pela manhã, o homem cortava sua grama calmamente quando sua vizinha loira e gostosa caminhou até a caixa de correio, abriu a caixa e fechou com força e voltou furiosa para casa. O homem continuou lá, aparando a grama quando, de repente, a musa voltou. Ela caminhou bufando até a caixa de correio, abriu e socou a caixa e voltou pra casa batendo o pé. Poucos minutos se passam, quando ela aparece novamente. Com o andar impaciente, abre a caixa de correio, xinga, bate a caixa e volta queixosa. O homem, já bastante curioso com a situação, pergunta: - Algo errado, vizinha? Ao que ela responde: - Tudo errado! Aquele meu computador estúpido vive dizendo que minha caixa de correio está cheia!
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O psiquiatra pergunta pra loira: - Costuma escutar vozes sem saber quem está falando ou de onde vêm? - Sim… Costumo! - E quando isso acontece? - Quando atendo o telefone!
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Em um avião indo para Nova York, a comissária se dirige a uma loira, sentada na divisão reservada para a primeira classe, e pede pra que se mude para a classe econômica, pois ela não tinha a passagem para a primeira classe. A loira replicou dizendo: - Eu sou loira, eu sou bonita, estou indo para Nova York e eu não vou sair. Não querendo argumentar com a passageira, a comissária pede ao Co-piloto para falar com ela. Ele foi e solicitou que ela fizesse a gentileza de sair da primeira classe. Novamente a loira respondeu: - Eu sou loira, eu sou bonita, estou indo para Nova York e eu não vou sair. O co-piloto voltou para a cabine de comando e perguntou ao piloto o que deveria fazer. - Eu sou casado com uma loira e eu sei como lidar com isso, responde o piloto. Foi para a primeira classe e sussurrou no ouvido da loira… Ela imediatamente pulou da cadeira, e correu para o setor econômico resmungando para si: -”Por que ninguém me disse antes?”… Surpresos, a comissária e o co-piloto perguntaram o que ele havia dito para a loira que a convenceu a sair tão rapidamente: - Eu apenas disse que a primeira classe não estava indo para Nova York!

PIADAS DE BÊBADOS

Começou a música e o bebum se levantou, trocando as pernas. Dirigiu-se à uma senhora de preto e pediu: - Hic...me dá o prazer desta dança? Ao que a senhora respondeu: - Não, por três motivos. Primeiro, o senhor está bêbado. Segundo, porque não se dança o Hino Nacional. E terceiro porque madame é a puta que pariu, eu sou o vigário desta paróquia!
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Dois bêbados acordam de manhã no xadrez: - Tião, você sabe por que a gente tá preso aqui? - Sei... Lembra aquele poste que a gente resolveu mijar ontem? - Claro que me lembro! - Pois é... não era poste, era guarda!
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O bebum passa em frente de um daqueles cultos e escuta o maior barulho: gente chorando, gritando, desmaiando... Ele pergunta para alguém que está
na porta: - Hic... que tá havendo aí dentro? A pessoa responde: - Deus está operando, irmão! E o bêbado: - Hic... esse cara não usa anestesia não?
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Chegou um bêbado na farmácia: - Me dá uma aspirina! E o farmacêutico: - Quer que embrulhe? - Claro. Ou o senhor quer que eu vá rolando ela por aí?
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Um bêbedo entrou na fila da igreja para comungar... O padre vendo-o falou para o sacristão: - "Joerso vá buscar um pedaço de bombril para mim." O sacristão obedecendo trouxe um pedaço de bombril... Chegando a vez do bêbado o padre enfiou o bombril na boca do bêbado... Este quando estava saindo perguntou ao padre: - Padre o que é a hóstia? - Meu filho, é o corpo de Jesus Cristo... O bêbado andou mais um pouco e quase saindo falou: -Padre se a hóstia é o corpo de Jesus Cristo... acho que peguei um pedaço do saco.
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ORAÇÃO DO PAU D'ÁGUA: Santa Cana que se extrai da roça, purificado seja o teu caldo. Aguardente sem mistura, venha a nós o vosso líquido a ser bebida a nossa vontade, assim no boteco como em qualquer lugar. Cinco litros por dia nos dai hoje, perdoai o dia em que bebemos menos assim como perdoamos o mal que a "marvada" faz. Não nos deixeis cair atordoados e livra-nos da radiopatrulha. Amém. Hic!

CANTARES

Cheguei até este limiar cheio de mim
Profetizando a dor escondida dos homens.
E delimitando no infinito do horizonte
Marcos e marcas para todos os viajantes
E neste limiar que pretende ser eterno
Profetizo o verso ainda não posto à mesa.

* * * * * *
(1)
O povo não é mais pescador dele mesmo.
Arrasta a maldição da dor devido aos gestos estudados
De quem ocupa a tribuna e se diz autoridade.
O povo vive de restos malditos
E nasce em berço muito pouco esplêndido.
Não pretendo atirar a primeira pedra.
Prefiro denunciar ao mundo a ganância dos chefes.
Não pretendo aceitar os ditames da última era.
Debruçarei meu corpo nos balaustres das pontes
Atentarei meu olhar nos rios sujos da cidade.
E tentarei falar a voz humana: “Sou pobre, mas honesto”.
Nem mais isso os meus queridos devem no balcão da vida.
(2)
Hipócritas
Outros homens dizem possuir a voz de Deus
E abrem o livro sagrado para fundar igrejas
e corromper a mente dos ignaros,
Vendendo a fé como uma sopa
e a crença como um pão adocicado.
A justiça fica adormecida em seus palácios
Fazendo ouvidos moucos à pregação
inconveniente da idéia do Senhor.
Eles consagram os vendilhões do templo
E beijam a moeda retirada do bolso do pobre.
Este é um novo ritual a fazer do
inalcançável a ilusão alcançada
E comprada como um sapato ou um trago de cachaça.
Ladrões da inocência!
A espada dos honestos ainda irá perfurar
seus imensos corpanzis de mentira e sujeira.
(3)
Ah, terra minha! Ah, gente minha!
Vamos agitar nossa força nas estradas!
Vamos partir e subir aos mais altos andares!
Vamos agarrar nossas aspirações na marra!
Túmulos não foram feitos
Apenas para quem não tem onde morrer de fome.
E a Pátria Nordeste ainda não foi de todo descoberta
Como ela merece.
Escuta, ó gente minha!
As areias e os seixos dos rios
Ainda estarão aqui pelos próximos séculos.
E elas devem crer que nossos guerreiros
Souberam agir com mente firme e mão generosa.
(4)
Nem Cristo nem Guevara.
Nem Buda nem Maomé.
Nem Ocidente ou Oriente.
A salvação é criar um tempo definitivo.
Agitar! Lutar! Sangrar!
Não vamos mendigar aos pastores da mentira
A idéia de um Deus de bordel.
Para que essa cegueira?
Nós somos o Reino!
Nós somos os ouvidos da vida!
(5)
Meu verso está sendo posto à mesa
Às mãos dos semeadores da palavra.
Não dêem as costas ao poema!
Não estilhacem o sangue do poema!
Não quero ver meus queridos agonizando
Sob a oratória dos corruptos e dos compradores da fé!
(6)
Lotadas as estradas com a esperança e seu verde brilhante,
Os homens golpearão seus inimigos
Nos versos escritos dentro do mais curto espaço do tempo.
E meu espírito vestirá a pele dos libertos
Desvendando as traições dos compradores de almas.
(7)
E todos irão saber que o Senhor da Liberdade
É um Senhor que respira e vive
Na alma do homem da terra.
Ele é forte e tem seu livro sagrado
Escrito na palma de suas mãos e em sua pele enrugada.
Com os palácios derribados
Com os falsos senhores desgrenhados
O homem real da terra poderá desfrutar a vida
E aprisionar parasitas que de nada cuidam
Mas apenas solicitam a presença da morte.
(8)
Caminhemos! Caminhemos! A estrada é longa!
Vamos buscar mulheres e homens!
O Senhor da Liberdade respira
E tem seu livro sagrado escrito na pele enrugada
Dos homens tristes e pobres.
(9)
Quando o verdadeiro vento nordeste varrer o semi-árido,
As fogueiras das vaidades terão de ser apagadas,
Mas acender-se-ão luzes de águas
E as chuvas ficarão plantadas nas almas dos guerreiros da vida.
E dos livros rasgaremos as páginas
das histórias oficiais escritas pelos opressores.
(10)
Ah, meu verso profético! Que beleza!
Aqui chegastes para extravasar a tua ira.
Aqui estás para render homenagem
Ao homem de nossa futura Pátria Nordeste.

...............
(11)
Agora fiquemos sós.
Ainda temos muito tempo.
Nossos refúgios são seguros.
Estou olhando para a terra e nela vejo uma força radiante.
Não preciso que você olhe para mim.
Não sou forte nem tenho intento insidioso.
Mas não estou assim tão adormecido.
Quero atrair você para uma missão conjunta
Aos momentos em que trocamos idéias e argumentos.
“Qual será a missão?” eis a pergunta.
Olhe: as ruas estão perigosas e os seres humanos
Têm suas almas sonâmbulas programadas
Por vídeos televisivos e mentiras oficiais.
Não se preocupe. O mundo tem conserto.
Vamos entrelaçar nossas idéias
Como cordas emaranhadas a amarrar os navios do porto.
(12)
Fiquemos sós.
Tenho a intenção de amar a sua idéia esplêndida
Nos nascentes e nos poentes dos marcos deste planeta.
E desejando olhar bem para dentro de mim
Você verá minha postura de guerrilheiro
Cumprindo um caminho evolutivo sem precedentes.
“Quem és?”, eis outra pergunta.
Olhe: na amplidão de todas as nossas madrugadas
Sempre aparecem as cinzas de um outrora.
Jogo-as pela janela do meu quarto.
Mas não se preocupe.
Não vou jogar fora as cinzas de amanhã.
Quero fazê-las voar célere ao seu encontro
Como a luz daquela estrela
Que somente hoje alcançou a terra.
(13)
Em verdade, em verdade vos digo:
A vida dos melhores humanos está jogada na sarjeta
E é por esse motivo que precisamos ficar a sós
E fazer um estudo dinâmico daquilo que somos.
Hoje é uma noite de agosto. Ela é fria.
A ventania entra pela janela do meu quarto
Trazendo os gritos dos guerreiros iguais a nós.
Em verdade, em verdade vos digo:
Somos muito mais do que habitantes das sarjetas
E por essa questão temos de ficar a sós
Para recriar os sonhos dos grandes profetas.
(14)
Em verdade vos digo:
Quando os deuses da terra eram outros
O homem era muito mais feliz do que hoje.
Mas ainda há tempo para moldar uma nova mística
E para plantar uma semente mais formosa de planta.
Por isso temos de ficar a sós. Eu e você. Nós.
Somos os únicos a compreender a nudez,
A beleza, a dor, a alegria e a verdade das coisas.
Em verdade, em verdade vos digo:
Podemos fazer o vento carregar mensagens otimistas
Para todos os deserdados do planeta.
(15)
Fiquemos sós.
Vamos enrodilhar nossos dedos uns nos outros.
Vamos amalgamar nossos cérebros para a luta.
Ao longo das grandes avenidas ninguém se fala mais.
Ninguém mais se olha para entender
As substâncias dos rostos e dos corpos.
Esqueceram a enxada, o martelo e a foice no arquivo morto.
O homem hoje ri ao matar seus semelhantes
E ao olvidar seus ancestrais,
Sem chorá-los pelas suas perdições nas multidões.
“Que faremos?”, eis outra questão.
Nada! Não faremos nada.
Ficaremos sós para profetizar o novo tempo.
Ficaremos sós para ver a verdadeira história ir e voltar.
(16)
A luz de sua imagem na plena madrugada
É uma condensação de paixão para meus olhos.
Em verdade, em verdade vos digo:
Haverá um tempo em que nos encontraremos
Arrependidos de nada termos sido
Tanto um para o outro
E de nada termos feito de bom do outro para o um.
Assim é necessário ficarmos sós,
Criando tempo de mim e tempo de você.
Tentando ser ousados na criação e nas decisões.
Nos palácios, os opressores de hoje riem de nossos anelos,
Mas nós daremos rédeas à imaginação quando ficarmos sós.
(17)
Nosso ficar a sós servirá para perturbar todo o universo.
Servirá para acabar com as leis dos “dinossauros”.
Para uma olhadela melhor às auroras.
Servirá para um mergulho fundo dentro de cada poro nosso.
Em verdade, em verdade vos digo:
Iremos implodir milhões de silêncios
E criar novas estrelas rubras
Para iluminar nossas futuras madrugadas.
(18)
Fiquemos sós.
“Queres ficar a sós comigo?”
Venha então.
Conheceremos melhor as vitórias e as derrotas.
Nas rugas de nossas peles saberemos quem somos,
Para onde vamos e qual o objetivo desta missão.
Em verdade, em verdade vos digo, ó homem simples:
O conhecer do passado cria em nós a verdade do futuro.
O saber das lutas cria em mim o desejo da vida.
Em verdade vos digo: Ao ficarmos sós
Entraremos em contato com todas as raças do mundo.

.............
(19)
As esperanças ainda estão vivas nas ruas,
Apesar de os olhos dos homens não brilharem
Como nos dias de antanho.
Quase todos estão trêmulos e sozinhos e ansiosos
E um tanto esquivos das suas realidades.
Talvez pensem que tudo esteja perdido
E que o reinado da dor e da morte tenha se revigorado.
Em verdade, em verdade vos digo:
Não devemos nos esquivar daquilo que vivemos
É preciso reunir nossas forças na beira de todos os rios
Antes que as sombras da morte
Derrubem a estrela perpétua do seu altar de sonho.
(20)
Meus queridos, a Pátria Nordeste não é uma terra morta
Cheia de cactos selvagens.
Ela é a imagem dos olhos das crianças.
Das nossas mulheres e dos homens voluntariosos.
Não deixemos que o lampejo da bandeira rubra
Se deixe ficar agonizante nas mãos dos incréus que beijam
As bandejas dos desvarios e das loucuras do ouro.
No reino de dentro de cada um de nós
Não devem existir disfarces. Em verdade vos digo:
Temos de nos comportar como se o vento nordeste
Seja um frêmito de guerra com garras flamejantes.
(21)
Não somos homens imbecis nem esclerosados.
Não somos fantoches nem marionetes.
Estamos amparados uns aos outros pelo suor
A escorrer através dos poros quando trabalhamos a terra.
E, quando gritarmos juntos e unidos,
O sussurro da vitória será um trovão
Que de tão formidável abalará
As entranhas dos comensais da morte.
Caminhemos! Caminhemos! A estrada é longa!
Vamos buscar mulheres e homens!
O Senhor da Liberdade respira
E tem seu livro sagrado escrito na pele amarfanhada
Dos humanos tristes e pobres.
(22)
Os queridos que escolheram andar na outra margem
Deixaram de aceitar a realidade destes tempos.
“Ah, como é violenta essa vida!” – pensaram.
Eles entregaram gratuitamente as almas ao deus do bordel
E aos homens que usam o livro sagrado para fundar igrejas.
Foram empalhados como espantalhos e programados
Para vender a fé como um trago de cachaça
E para roubar a moeda do bolso do pobre.
Será contra essa nação de hipócritas que iremos lutar.
Não vamos dizer que possuímos a voz da divindade.
Possuímos nossa verdade e nossa fome.
Nossa pobreza e nossa honestidade.
(23)
Em verdade, em verdade vos digo:
O vento nordeste está cantando solenemente o hino
Da mais cruel realidade da nossa vida.
Que os hipócritas fiquem longe, não se aproximem.
Nem mais um passo dêem.
Estamos em frêmito de concepção,
Pois somos a raça dos escolhidos.
Antes que as águas cubram as planícies,
Em verdade vos digo:
Antes que a vontade dos corruptos seja cumprida
Os brotos das árvores serão muitos mais novos
Que as raízes postas no chão pelas mãos dos opressores.
(24)
Eis aqui: nosso maior anseio.
Eis aqui: nossa idéia essencial.
Eis aqui: a explosão de nossos suspiros.
A pétala da flor vermelha se reabre
Quando ganhamos mais uma vez o dia
Ao rufar dos tambores da vitória dos nossos heróis.
(25)
Qual caminho você vai escolher, meu amigo?
Não, nada disso.
Eu não estou fazendo papel de místico.
Eu sou um guerrilheiro espirituoso.
Sou um peregrino a viver das minhas explosões verbais.
Não vou obrigar ninguém a seguir caminhos.
Se você prefere a derrota, siga!
Também é muito bom sofrer derrotas.
Com elas aprendemos o sentido da vida.
(26)
Eu falo porque quero falar.
Gritarei quando desejar gritar.
Faço parte do mundo e o mundo é meu.
Os hipócritas que nos governam não são donos do mundo.
Está envergonhado de mim?
Que assim seja.
Mas em verdade, em verdade vos digo:
Ao ficar envergonhado de mim
Você estará mais do que nunca sendo covarde.
E como um leproso pensando não ter cura
Esconder-se-á nas cavernas do próprio medo.
Em verdade vos digo:
Não ando pelo mundo a derramar lágrimas de lástima.
Nem vou gemer e me acovardar
Para ganhar as honrarias dos chefetes de última classe.
(27)
E então eu pergunto outra vez:
Quer ficar a sós comigo?
Este ficar a sós não significa esconderijo
Significa guerra. Significa luta.
Significa que iremos tocar fogo nas histórias oficiais
Escritas pelos que se dizem donos da verdade.
Quer ficar a sós comigo?
Mostraremos o quanto somos válidos
E não iremos criar leis
Para termos desculpas a serem descumpridas.
............
(28)
Eis-me aqui na terra completamente seca...
Um rosto enrugado de homem olha para o céu
Buscando as águas da chuva.
Nas suas pequenas e rústicas casas, as crianças
Brincam com a sopa de suas próprias fomes.
Mas o homem tem o olhar da esperança
Mergulhado até o fundo da retina no horizonte.
Esperando e contando nos dedos
Os poucos grãos de feijão que poderá ter
Após umas poucas gotas de água caírem por sobre a terra.
(29)
E eis nos palácios dourados a safadeza das autoridades
Prometendo mundos e fundos para florir a terra seca
E preparando o corpanzil para voar
Até as paisagens européias,
Onde poderá gastar o dinheiro do suor do outro.
E desovar em algum recanto de Manhattan a sabedoria
Que julgam apenas eles a possuir por serem governo.
Em verdade vos digo, ó párias do dólar:
Há de chegar o dia em que suas casas serão invadidas
Pelas almas mais simples desta nação.
Há de chegar o dia em que todos ficarão
Olhando tristes para os remendos
De suas calças e de suas casacas.
(30)
A voz dos deserdados ainda não é forte o bastante
Para rugir o trovão da guerra nas caatingas,
Mas os espíritos hoje são outros.
Não são adolescentes seguindo uma coluna vermelha.
Eu também não pretendo ser um líder.
O homem da salvação chegará no momento certo
Marcado há muito tempo na história da raça.
Ele virá quando as águas dos rios
Começarem a cobrir as praças.
Quando o mar ocupar os vazios do espaço a ele tomado.
E ele será muito mais que o Enviado.
Não será um Guevara nem um Cristo.
Não será um Maomé nem um Buda.
Será simplesmente ele: o homem do tempo definitivo.
O homem da agitação.
O homem da luta.
O homem vindo para sangrar.
(31)
Em verdade, em verdade vos digo:
O devir não mais será como está nos “livros históricos”
Escritos pelas classes dominantes.
O homem a surgir será o mais forte de todos os homens.
Beberá terra para matar a sede.
Comerá vento para matar a fome.
E estará dando seu sangue a todos os companheiros
Postos ao seu lado na perseguição da verdadeira vida.
Em verdade vos digo:
Ele não vai enveredar pelos ardilosos caminhos
Da história oficial escrita pelos vendilhões dos templos.
(32)
Portanto, querem ficar a sós comigo?
Ao pé de qualquer rocha deste nosso Nordeste
Esculpida pelo vento rebelde das fronteiras
Veremos o verdadeiro significado do tempo.
A palavra medo será riscada do dicionário.
E nunca mais iremos enveredar pelos labirintos
Engendrados pelos ladrões da inocência
Para dar uma ilusão de vida aos nossos filhos.
Em verdade, em verdade vos digo:
Eles virão e será para sempre e será logo.
O passado virá para o povo conhecer o futuro dele mesmo.
Eles estarão ao nosso lado designando como será a luta
Para aprisionar os homens que dizem conhecer Deus
E que vendem ilusões como se vende cachaça.
Eles chegarão para extravasar a ira mais honesta.
E para render tributo ao homem do Brasil nordestino.
(33)
Marcos e marcas.
Vermelha é a cor das almas dos homens
Enxada e martelo e foice centenárias
Na espera da ressuscitação.

CANTARES (segunda parte)

.........
(34)
Eis que ele está chegando:
O homem do tempo definitivo!
O homem da agitação!
O homem da luta!
Em verdade vos digo:
Ele vem para agitar as almas e ganhar o dia.
No grande encontro dos rios da cidade
Encaminhará ao fundo do oceano as dores
E as tristezas dos menos aquinhoados.
E nos abismos abissais fará naufragar
As estratégias dos governos opressores.
Eis que ele vem: definitivo como a morte.
(35)
E você que por aqui passa, qual será o rumo a escolher?
Você diz não possuir rumo e caminha
Como se a vida estivesse escrita desde seu nascimento.
Em verdade, em verdade vos digo:
A vida foi escrita no passado para o futuro
E você sempre fez e fará parte dessas escrituras
Ao lado da maior força jamais vista na terra.
Não tenha medo e não tenha vergonha.
São teus filhos que necessitam de espaço
E de novos verdes e de lares mais calmos.
(36)
“Para que isso?” - pergunta o pobre de espírito.
“Eu já tenho o que preciso e nada devo aos outros
E meus filhos retratam a minha vida.
Para que esse místico homem definitivo?
Tudo que construí eu fiz e nada mais.
É necessário deixar de curtir o realizado?”
Em verdade vos digo, pobre humano ignaro,
Não há misticismo no homem definitivo.
Ele é o que é e o que são todos.
Ele não é o retrato da lástima nem da miséria.
E muito menos covarde para se esconder
Por detrás dos ombros dos exploradores da terra.
(37)
Ah, quando os queridos da Pátria Nordeste
Empunharem o mastro do emblema do homem
A terra irá tremer desde o Itapicuru ao Capibaribe.
E então será tarde para os incréus tomarem tento
De tudo que foi dito e ficou escrito há antanhos.
Em verdade, homens da terra, eu vos digo:
Será criado um vácuo aos pés dos opressores
E grandes caminhos de salvação para os oprimidos.
O chão será de lama para muitos
E de podridão para outros.
Mas os escolhidos serão os enérgicos
A fincar com teimosia a bandeira da luta
Pela grandeza da vida.
(38)
Nossa será a terra. Nosso será o reino absoluto
Ao lado do emblema rubro da vida.
Serão nossos os rios e as vegetações das margens.
E poderemos possuir todos os recursos minerais
E lavrar em prata e cobre nossas próprias moedas.
Porém, o homem definitivo não terá efígie
A ser desenhada em notas monetárias.
Ele será a imagem permanente de todos os homens
E mulheres e crianças e animais e plantas.
Em verdade vos digo, verdugos da vida:
Chegará o tempo em que subirão ao cadafalso
E aos gritos verão suas cabeças entregues aos carrascos.
(39)
E os hinos de força sairão das gargantas libertadas
Ressoando por toda a extensão da pátria
Do Itapicuru à desembocadura do Capibaribe.
“Sou o predestinado para traduzir a nova língua.
Os sabores da liberdade estão em mim e sobre mim
E os oferto para vocês, queridos da terra.
Os horrores dantescos dos infernos serão entregues
Aos infiéis e aos habitantes dos grandiosos palácios”.
Em verdade vos digo, em verdade proclamo:
Os hinos de força da vitória maiúscula
Sairão das gargantas dos mal vestidos e dos famintos.
E serão traduzidos em uma nova língua
Dentro das noites nordestinas,
Das grandes luas cheias e das brilhantes estrelas.

.........
(40)
Todos deverão ficar a sós comigo
Quando os rios e o mar levarem de roldão as terras
E quando os grandiosos palácios na ruína
Desabarem para sempre no lodo e na lama.
E aquele que virá com a amplidão da noite ou a da aurora
Terá uma imensa multidão para escutar
Seus hinos de guerra e de liberdade.
Em verdade vos digo, homens simples:
Ele trará a permanência da agonia para os donos do ouro
E para os homens que vendem a fé como cachaça.
E o Deus que estará ao seu lado terá parecença
Com a verdadeira imagem dos humilhados e perseguidos.
(41)
Eu sou apenas a voz a clamar no deserto de hoje
Para mostrar aos homens o tempo a vir.
Não sou aquele conjugado no pretérito.
Sou apenas a voz a gritar do meio das caatingas
A mesma coisa que vocês poderão ver e dizer
Aos filhos e aos netos e os netos aos filhos.
Pois a história irá marcar o homem definitivo
No que ele sempre é e no que sempre será.
Ele é o tempo vindo do passado para abrir portas e janelas
A todos os futuros tempos dos homens.
(42)
Ao chegar perto dos escolhidos a voz retumbará:
“Sou aquele pelo qual o sangue do Nordeste do Brasil
Pediu com urgência à majestade superior.
Sou aquele que possui a noite amarrada ao dia.
Eu sou o que sou. Homem e poeta peregrino.
Guerrilheiro e abençoada matriz do mundo.
Eu vim e vou e não passo.
Sou o último e o primeiro.
Estou aqui para matar a sede de justiça.
Estou aqui para alegrar os desafortunados.
Em verdade vos digo: eu vim, vou e continuo indo.
Sou a emoção verdadeira e o rubi brilhante
Da bandeira empunhada pelos corações dos homens”.
(43)
E aos opressores e aos corruptos virá o clamor:
“Valerá a pena ver minha chegada bem de perto.
Valerá a pena ver os vossos jardins com as flores murchas.
Eu sou o incriado que saiu
Dos parafusos das vossas fábricas
E das fumaças poluidoras.
Sou o redivivo da vingança
E vim trazer a vós outros a agonia absoluta.
Minha espada está sendo colocada à prova
Desde algumas centenas de anos, ó infiéis.
E agora que cheguei aos vossos jardins
Não haverá perdão para os marasmos e para o cansaço.
Eu sou aquele a quem o beijo da traição republicana
Molhou as ruas com o sangue dos meus inocentes.
Eu vim. Eu vou. Eu não passo.
Sou o homem definitivo para rir de vossos remorsos”.
(44)
“Tirarei a paz de espírito dos governos gananciosos.
E ninguém mais em toda a confusão das galáxias
Tornar-se-á partícipe da inclemência dos corruptos.
Eu vim. Eu vou. Eu fico e não passo.
Sou o imortal a viver dentro das casas de taipa.
Sou o espírito redivivo das árvores derrubadas.
Sou a mente elementar da terra nordestina
Assaltada e violada pelos vendedores de deuses
E pelos ditos grandes filósofos visitantes de Manhattan.
Vou mostrar quanto valho. Verão meu entendimento
No expirar do vosso mundo e na chegança do reino
Permanente dos famintos e deserdados”.
(45)
Depois, ele não mais irá precisar revogar palavras.
Os crepúsculos serão de todos, bem como as tardes
E as manhãs e as noites quentes ou frias.
Depois, ele não mais precisará repetir a voz
Deste cantador que profetiza nas caatingas a sua vinda.
Em verdade vos digo: ele será a palavra e a voz finais
Para decidir e revisar todos os horários do reino.
Será a mulher mais bela e desejada da pátria
E o homem másculo e enérgico em busca da vida.
Eu digo: ele habitará os becos e as vielas escuras
E será uma luz a iluminar o coração dos homens
Eu digo: Ele foi, é e será o homem definitivo
A empunhar a bandeira da liberdade e da vida.
(46)
Na espera da ressuscitação.
Martelo e enxada e foice centenárias.
Marcos e marcas.
Vermelha é a cor da liberdade dos homens.

........
(47)
Eis o clamor daquele que profetiza nas caatingas:
Em um tempo não muito mais longe que um tempo
Todos irão conhecer a todos sob as matizes
Das vermelhidões dos crepúsculos e das auroras.
Eis o clamor definitivo da nossa raça!
Eis o clamor profético vindo dos leitos secos dos rios:
A vida de cada um será julgada pelo ganho e pelo roubo
E o homem e a mulher nascidos na miséria...
E o homem e a mulher que não possuem terra...
E o homem e a mulher sem face corruptora...
Terão lugar ombro a ombro, mão a mão,
Junto ao homem definitivo.
(48)
E a terra deixará de pertencer
Aos prudentinos e às suas corjas.
Os padres e pastores vendilhões da fé
Deixarão de violar as mentes.
E os herdeiros do homem definitivo alcançarão o topo
E agitarão para o resto do mundo a cura do câncer maligno.
Em verdade, em verdade vos digo:
Os humildes não sobrevivem nos dias de hoje
Porque existe um grande câncer corroendo o sistema.
Em verdade, em verdade vos digo:
Hoje a escravidão do homem tem outro nome
Escrito nos dossiês de RH
Dos gananciosos patrões.
(49)
As vozes dos humildes tomarão outros rumos
Lado a lado, mão a mão com o homem definitivo.
Eu vos digo: os dias serão medidos com calma e vagar.
Os governos pagarão caro a desdita do homem da terra.
Eis o clamor do profeta das caatingas:
O maior mentiroso é quem governa o país!
Esse é um cancro hereditário vindo da raça dos cabrais.
Cancro que precisa ser extirpado com urgência,
Juntamente com os outros cancros da mentira
A se esconder nas vestes ornamentadas das religiões.
Padres mentem.
Pastores mentem para o bem dos cofres das igrejas.
(50)
O que devemos fazer com essa gente que não nos respeita?
Precisamos retirar do arquivo morto
A foice, o martelo e a enxada.
Precisamos ressuscitar a cor vermelha da liberdade
Pois estes serão os futuros e grandiosos marcos da vida.
Em verdade, em verdade vos digo, ó homens simples:
Não será mais necessário fazer a marcha de uma coluna.
Todos estarão ombro a ombro, peito a peito, mão a mão.
Com a idéia concreta do homem definitivo,
Trazendo do infinito do universo a vida imortal
Para todos os caminheiros e viajantes do mundo.
(51)
Valerá a pena retirarmos a cabeça dos travesseiros.
Comprimir as idéias dos gananciosos numa bola de papel.
Valerá a pena dizer:
“Estou dizendo isso, porque assim deve ser.”
“Estou fazendo assim para que meus filhos possam viver.”
Valerá a pena cortar a voz dos políticos pela raiz,
Antes que elas comecem a colocar
Emblemas de promessas em nossos ouvidos.
Valerá a pena dizer: “Não! Isso é mentira. Eles mentem!
A única verdade está conosco e dentro de nós.
E esta verdade é nosso reino”.
Em verdade vos digo, ó homens humildes da terra:
Nós ressuscitaremos nossa idéia
Como Lázaro de entre os mortos
Mas nem mortos estávamos e nem mortos estaremos.
Retornamos para o cumprimento da ação final
E valerá a pena ver a chegada do homem definitivo
Dentro dos corpos de todos
Os homens e mulheres do mundo.
.............

(52)
Eu já vos disse e mais uma vez repito:
Meus queridos, a Pátria Nordeste não é uma terra morta

Cheia de cactos selvagens.
Ela é a imagem dos olhos das crianças.
Das nossas mulheres e dos homens voluntariosos.
Não deixemos que o lampejo da bandeira rubra
Se deixe ficar agonizante
Nas mãos dos césares que beijam
As bandejas dos desvarios e das loucuras do ouro.
No reino de dentro de cada um de nós
Não devem existir disfarces.
Em verdade vos digo, mais uma vez e outra vez:
Temos de nos comportar como se a alma do Nordeste
Seja um frêmito de guerra com garras flamejantes.
(53)
Está perto o momento em que
Os arquivos de RH dos gananciosos
Receberão a visita daquele que nunca veio,
Mas que sempre está e sempre renasce.
Ele irá rasgar as atas e os estatutos
Das mentiras oficiais que regem a idéia dos salários.
Porque o homem definitivo sabe:
A escravidão nunca acabou sobre a face da terra.
Apenas ganhou outro nome e outro eufemismo.
Agora a escravidão é chamada de emprego
E quem lucra são os vendilhões dos templos.
E quem zomba do homem da terra
São os patrões e os corruptores da nossa verdade.
(54)
Bem-aventurados aqueles que acusam.
Bem-aventurados os que ousam dizer:
“A história escrita da pátria é uma grande mentira.
É a lavagem dos cérebros para o uso das máquinas.
É o beneplácito dos governos para o uso do dinheiro
Ganho pelo suor dos homens da terra durante séculos.”
Estes estarão lado a lado com o homem definitivo
Quando ele quebrar as correntes e libertar os escravos
E rasgar as atas e os estatutos das mentiras oficiais.
E, ainda: Bem-aventurados aqueles que sofrem
Por não possuírem casas de pedra para abrigar os filhos.
Também serão herdeiros da idéia. Eles farão o reino
Brilhar como a luz solar alimentando o oxigênio da terra.
(55)
E o profeta das caatingas continua seu clamor:
Mentiroso é quem governa! Mentiroso é quem eleva Deus
Aos altares dos templos em busca do ouro dos pobres.
Eles são muitos. Mas são covardes, ímpios e corruptos.
Matam para calar o verbo. Assassinam a verdade.
Mas eu vos digo, ó homens simples:
A idéia do homem definitivo será a salvação da pátria.
E ela virá cedo ou tarde, ainda que o sol deixe de nascer
Ou a lua seja desviada para outros recantos do universo.
Em verdade vos digo: A única salvação é esta idéia.
E ela está escrita nas palmas das mãos dos humildes.
(56)
E mais uma vez repito. A voz ressoará o clamor
A ser ouvido do Itapicuru ao Capibaribe:
“Eu vim. Eu vou. Eu fico e não passo.
Sou o imortal a viver dentro das casas de taipa.
Sou o espírito redivivo das árvores derrubadas.
Sou a mente elementar da terra nordestina
Assaltada e violada pelos vendedores da fé
E pelos ditos grandes filósofos visitantes de Manhattan.
Vou mostrar quanto valho. Verão meu entendimento.
No expirar do vosso mundo e na chegança do reino
Permanente dos famintos e deserdados”.
(57)
“Não sou Cristo. Não sou Guevara.
Não sou Maomé. Não sou Buda.
Não sou Oriente. Não sou Ocidente.
Sou Norte e Nordeste.
Sou o espírito do grande chefe de Canudos
Redivivo nas almas e nos olhares dos famintos.
Eu chego. Eu vou. Eu passo. Eu fico e transmito
A glória de cada um possuir o que merece
E repartir com o outro aquilo que ao outro falta.
Recebo com carinho todos os bem-aventurados,
Todos os que acusam os vendilhões.
Estarei lado a lado com os sem-teto
Bem-aventurados são esses homens de bem
Que não roubam o suor do outro nem a vida do irmão.
Todos estes farão parte do reino que há de vir
Todos farão o Belo Monte das cidades libertas.
E cedo ou tarde estaremos nas culminâncias,
Quando o mar cobrir os grandes arranha-céus
E quando os rios ocuparem seus leitos roubados.”
(58)
“O vazio se encherá de mim e eu serei todos.
O verso estará posto à mesa para matar a fome.
A dor escondida desaparecerá no horizonte.
E os marcos e as marcas do mundo serão outros,
Pois nascerá um novo céu e uma nova terra
Anseio antigo a viver escondido nas almas dos homens.
Já estou entre vocês, ó meu povo,
Já estou voando entre vós, queridas aves.
Beijo minhas árvores e deito em meus campos.
Aceitai o meu retorno. Aceitai minha vinda.
Vinde aos meus braços, meus queridos da pátria!
Vinde para meu lado, homens sem-teto!
Vinde até mim, pequeninos artesãos!
Não há vitória sem luta e as batalhas serão muitas.
A guerra não acabou em 1897.
Os tabuleiros nordestinos ainda estão banhados em sangue.
Vinde a mim, guerreiros voluntariosos!
Eu sou o homem definitivo.
E vocês serão os definitivos homens e mulheres
Donos dos rios e das planícies.
Serão os definitivos a apascentar no futuro
Os animais e as plantas que habitam o céu e a terra.
Está escrito! Assim seja!”

CIDADÃO SOLITÁRIO

Dedicado a Valdeci Ferraz, meu amigo.
(...) Olhando as raízes de uma árvore velha à beira do grande rio que banha a cidade... / as raízes falam do tamanho da vida de suas artérias / molhadas e umedecidas pelos suores de homens e mulheres famintos de ilusão... (...) Grito ao vento: ACORDA! ACOOORDAAA! / Os sonhos de teus homens e de tuas mulheres estão presos em tuas raízes, ó velha árvore!/ No instante fugaz em que eu adormecer para sempre...
A tarde, hoje, estava macia e úmida. O Recife repleto de gente, indo e vindo. Poucos humanos se olhavam nos olhos. Poucos se viam. Eram formigas ligeiras em busca de um ilusório objetivo de continuidade.
Eu lembrei de você, meu amigo. Eu e você dentro de uma daquelas tardes iguais a de hoje. Caminhando pela Avenida Guararapes, olhando as mulheres, rindo dos homens, discutindo sobre futebol, religião, política e buscando usufruir pedaços infinitos da vida cidadã.
Faz tanto tempo isso, meu amigo!
Quando a tarde quente começava a receber os carinhos amenos da noite, estávamos entrando sorrateiramente no Bar do China, na Avenida Dantas Barreto, olhando os números a mostrar o resultado do jogo do bicho, e pedindo uma cerveja gelada, várias cervejas geladas, para matar nossa sede animal de sem destinos. E nesse instante éramos nós que recebíamos os olhares das mulheres e dos homens solitários. Ficávamos sozinhos, percebendo tudo, mas sem agir de outra maneira que não fosse a que conhecíamos: recebendo os ares da noite e olhando as raízes de nossas árvores envelhecidas à beira do grande rio que banha a cidade.
E, hoje, estou sozinho a caminhar pela Avenida Guararapes, circundando a Rua da Roda e adentrando a Avenida Dantas Barreto... Não mais existe o Savoy de Carlos Penna Filho, o Bar do China, o Bar Cristal com o Arlindo a colocar no seu livro negro as dívidas dos boêmios... Não existe mais nada a não ser as lembranças de quando éramos pessoas mais felizes do que hoje. Sim, mais felizes do que hoje. Exatamente! Porque, por mais que tentemos agora demonstrar ao mundo que somos felizes, ficamos uns alegres/tristes...
Não, meu amigo. Nós éramos muito mais felizes antes, quando podíamos ter a liberdade de criar, de caminhar, de olhar, de beber nossos copos de cerveja sem ódio e sem medo, discutir política, religião, imaginar utopias. Assim, a tarde de hoje do Recife trouxe essas reminiscências. Trouxe também a entrada da noite e as lembranças de nossas invasões dos cabarés da Zona: com a Shirley, a dama de vermelho a nos circundar, a nos tentar, a buscar nossos corpos carentes.
Fiquei sozinho, meu amigo. Agora apenas eu curto as tardes/noites da cidade, apenas eu olho para as últimas luzes do sol a iluminar o Capibaribe. Somente eu busco nos olhos das mulheres e dos homens aquelas sensibilidades do antanho.
Saiba que a cidade continua ela mesma. Febril! Vadia! Perigosa! Cheia de boemia! Repleta de mistérios! Maliciosa! Serena! Molhada! Tesuda! Safadamente safada! E, imagine você: a procurar por nós dois! A cidade do Recife continua completamente viva aos olhos do mundo.
Antes, quando fazíamos nossos poemas de amor ao Recife, odes de paixão às suas lindas mulheres, lindas, lindas, lindas (ah, meu Deus, quantas mulheres lindas o Recife tem! Quantas mulheres tentadoras! Quantas mulheres belicosas e gostosas!), buscávamos decifrar a vida nas espumas de muitos copos de cerveja.
Eu restei. Continuo a pousar olhos de fidelidade sobre este meu habitat. Continuo a escrever odes de paixão. Dou continuidade e perseverança à vida. De nossa companhia e de nossas andanças uni a verdade e a ilusão de muitas fantasias e aventuras para continuar a ser o maior amante dessa utopia que se chama vida.

MENTIRAS E VIOLÊNCIAS

Para Rodrigo, meu filho.

Meu filho Rodrigo perguntou em um dia desses qual seria o motivo de tantas mentiras e violências neste mundo? Rodrigo está na adolescência. Tem 16 anos. Tudo que ele está vendo acontecer no mundo e ao redor do seu mundo são praticamente novidades e para essas novidades ele busca entendimento.
Não sei, Rodrigo. Eu na minha vida de adulto ainda não consegui entender isso. Poderia dar a você dezenas de respostas. Mas nenhuma delas, sei bem disso, conseguiria alcançar seu entendimento.
Para ser sincero, você está crescendo e sua consciência das coisas está começando a tomar forma. Tal e qual aconteceu comigo há muito tempo. Mas eu não fiz essa pergunta, porque no início da minha adolescência, a vida cidadã era mais simples. Era muito bucólica. Nossa província – este Recife – tinha outra imagem. Nosso país – o Brasil – era simplesmente uma imensidão de terras no mapa do mundo.
Mentiras e violências sempre existiram, Rodrigo. Isso é inerente ao homem. Este ser destrutivo que somos nós. No entanto, quando este ser destrutivo recebe amplas lições morais consegue mergulhar nas melhores profundezas de si mesmo, torna-se uma pessoa humanitária.
As maiores mentiras do mundo, Rodrigo, são ditas pelos donos do poder para manipular nossas mentes. Eles criam histórias oficiais, eles falsificam as imagens e as visões do estar no mundo em proveito próprio. O homem comum segue apenas o ritmo provocado por esses donos do poder.
As maiores violências do mundo, Rodrigo, não são aquelas que a gente vê em nosso cotidiano. Pai matando filho, neto matando o avô, filha agredindo a mãe, amigos nossos sendo assassinados sem motivo. Essas são violências gerais nascidas por causa das mentiras acumuladas no espírito humano, como a religião, a crença em um deus sobrenatural e inexistente.
A vida é uma coisa tão simples! A vida é uma dádiva tão especial! Porém, os homens que manipulam a história são os dementadores do mundo. A maior violência, Rodrigo, é a falta de educação de um povo. Mas, sabe por que um povo não possui uma educação completa? Pelo simples motivo que os donos do poder não desejam que o povo alcance nenhum pedaço da sabedoria. Assim, para que a manipulação seja completa deixam a imensa maioria da população na ignorância das coisas. Um povo educado sabe muito bem agir em tudo que disser respeito à sua saúde, à sua segurança, às suas finanças e saberá guiar as novas gerações a um mundo novo.
Portanto, mentiras e violências são irmãs gêmeas. E neste século estão cada vez mais presentes na realidade de nossa terra, na boca dos nossos governantes, nas atitudes das pessoas às quais oferecemos nossas confianças. O que nos resta, então? Acredito que para todos nós resta o caminho do esforço próprio e a crença em nossas loucuras para podermos seguir o tempo que nos resta de vida neste planeta.
Então, meu caro Rodrigo, sigamos nossas horas. Vivamos cada dia como se fosse o último.

OLINDA

Olinda do frevo maior
Ofício de minha canção
Onde buscando o amparo
Fiz milagres nunca vistos
Pedindo ao carmo da virgem
O brilho da luz do farol
No bairro novo do sonho
Numa casa recém-caiada
Em um varadouro sem fim
Nasceu a história maciça
Do jardim atlântico novo
Onde o doce rio desemboca
E de onde os bultrins da vida
Chamam homens/mulheres pra mim.

JARDIM SÃO PAULO

Jardim São Paulo não é um bairro melhor ou pior do que os outros bairros do Recife. É o lugar onde moro. Por tal motivo é o melhor lugar do mundo para mim. Geograficamente, Jardim São Paulo está preso no meio de quatro bairros: Barro, Areias, Estância e Cidade Universitária. Na realidade estes são alguns dos seus limites de entrada e saída. É um bairro relativamente novo.
Na minha adolescência, o sonho de muita gente mais ou menos bem situada financeiramente era o de morar em Jardim São Paulo. Muitos concretizaram o sonho. Outros não. Não é um bairro chique, mas o preço de aluguel de uma casa ou apartamento no local está pelas horas da morte.
Quando se entra em Jardim São Paulo nota-se logo uma diferença em relação a outros logradouros. Parece um bairro fechado. Uma pequenina cidade dentro do Recife. As pessoas se conhecem, se falam, buscam saber das coisas, fazem fofoca e conhecem como ninguém a vida pregressa umas das outras. Tem igreja católica, templos protestantes, farmácias demais, padarias, mercado com nome e o mercado sem nome. Não se iludam porque este é o nome do mercado.
E coisa boa deste mundo: muitos botecos, onde os homens – em maioria – vão papear sobre futebol, mulher, safadeza em geral e política. Tem o meu Paço dos Mentirosos onde quem manda é Hércules, o famoso Boca Maldita. Do outro lado, existe o boteco da Cristina e o do Silva, cercado de outros dois, bem apertadinhos uns aos outros. Cheios de gente figurativa demais. Digo assim, porque os apelidos dos que aparecem por ali são bastante exóticos. Tem um cara chamado Pereba, que só bebe cerveja quente e fica sempre enfiando um dedo no nariz como a procurar um tesouro escondido. E mais: Xerife, Fariseu, Cão, Balbuíno, Espanador da Lua, Pagamento em Dia e o Peidorrento, Conheço todos esses caras.
As mulheres são muitas, demais até. Mas elas gostam mais da praça central, ou praça redonda, perto da igreja católica. Ao redor dessa praça uma infinidade de bares e farmácias. Não entendo o motivo pelo qual as farmácias de Jardim São Paulo gostam tanto de ficar coladas aos bares, se remédio para bêbado é apenas cachaça. Até barbearia conjugada com padaria e com um bar existe. E tem também o sócia do finado Miguel Arraes, que é barbeiro. Só perde no tamanho, mas a cara dele é igualzinha a do nosso finado ex-governador.
Durante a maior parte dos dias da semana os bares da praça de Jardim São Paulo se revezam em folgas. Se um fecha na segunda-feira, o outro fecha na terça. Tudo para que os seus aficionados não deixem de tomar suas biritas cotidianas.
E as meninas do bairro parece que também aprenderam esse rodízio. Namoram com um carinha no domingo, folgam na segunda, ficam com outro carinha na terça, e no sábado trocam de rapaz com as amigas. Ou será o contrário? Não sei. Essa não é minha área.
Como todos os bairros do Recife, Jardim São Paulo sofre com a violência. Mas já notei que é uma violência diferente. Parece uma violência familiar e caseira. Todos os marginais são conhecidos da polícia do bairro e também dos moradores. Tem gente que fala bem de um que foi enviado ao Presídio Aníbal Bruno por ter morto um velho de 75 anos, dizendo: “O pobre foi injustiçado”. “Conheço ele desde menino”. “É um rapaz simpático, a vida dele é que foi ruim”. Gente boa essa, né?
Não tenho nada a reclamar do bairro onde moro, nem de seus habitantes. Eles são paisagens variadas e dimensões diversas da humanidade que me cerca. Mas ainda assim, Jardim São Paulo se diferencia do restante dos bairros do Recife por ser o lugar onde moro, e todo lugar onde moro tem um quê de muito especial: é o meu point.

ESQUECIMENTO

A morte nasceu no homem
Ao primeiro sopro da vida
Tanto que ele a reconhece
Nos marcos do seu tempo.
E finge não vê-la...
O homem cultiva o temor da morte
Dentro de suas andanças
Morre todos os dias
Esquecendo que a morte vem de sua vida.

A FORTALEZA DA ILUSÃO

Na cidade a vida escorre como um rio. E um rio banha a cidade. O início do dia cidadão mostra a preguiça no correr das águas e nos olhos de sua humanidade. Com a passagem das horas todos os caminhos desembocam para o encontro de líquidos, junto com as luzes do entardecer e com o mistério da noite.
Viver a cidade é estar em sintonia com seus ritmos vitais. Olhar os homens em passagem para caminhos que não conheço. Olhar as belas, as feias e as remediadas mulheres que buscam com seus olhos convocar sonhos e ilusões. Desde o nascer do sol até seu poente, as horas vivem, nunca morrem em todos os caminhos de sua humanidade.
Mas a cidade tem seus ritmos abalados, tem suas belezas se apagando, tem seus tristes abandonados, tem suas crianças esquecidas, tem seus poetas sem nome tentando sobreviver com odes metafísicas e sem sentido.
No caminho de suas horas a cidade não dorme. O homem no caminho de suas horas vai perdendo lentamente a vida e se encaminhando para junto da indesejável. Na realidade, seus habitantes vivem em trâmites de solidão. Os mais amantes da cidade são os mais pobres e mais limitados financeiramente. Eles constroem os caminhos das horas cidadãs, com os desatinos comuns de qualquer raça.
Como um rio em busca da foz vive a cidade. Seu nome se abriga nas águas marinhas do Atlântico a tentar destruir pedras de proteção. E abriga a ilusão de que o amanhã poderá ser diferente. Como se o amanhã pudesse ser diferente quando as almas e os espíritos dos homens são os mesmos.
A realidade é mais forte que a ilusão.

TEMPO, LIVROS, CINEMA E SILÊNCIO

A moça do tempo disse ontem na TV: chuva forte em todo o Recife neste final de semana. Porém, bastou ela dizer isso para que o sol resolvesse dar o ar de sua graça. E o dia apareceu radioso e quente. Como eu digo aos meus cinco leitores: o tempo é instável como a sorte. Ninguém adivinha como ele vai ser no outro dia. Chuva mesmo só lá para as nove da noite quando o corpo já começava a pedir descanso, mesmo que a rua ainda chamasse convidativa para uma curtição diferente.
Na realidade começo a ficar cansado de me sentar numa das poltronas cá de casa para ver e assistir as imbecilidades que a TV brasileira coloca no ar. Parece que os donos das emissoras televisivas acham que todo brasileiro é um asno em potencial, principalmente aos sábados e domingos. Mas isso vem do tempo de quando cachorro falava. A única coisa que me prende à TV é um jogo de futebol que não tenha vitória planejada pelo juiz para um time carioca, paulista ou gaúcho como sempre é comum acontecer.
Muitas vezes sinto saudade do tempo em que a televisão não existia. Havia mais humanidade nas pessoas e nos jovens. Pegava um livro para ler e deixava a imaginação criar as imagens dos personagens. Navegava nas letras como quem navega em um barco em busca de aventuras. Hoje, além da TV, existe a internet e ninguém sabe mais o que é a aventura de sair viajando por lugares ignorados lendo um livro.
Mas também existiam os cinemas. O Recife possuía muitos cinemas. Na falta de outra diversão melhor no fim de semana, íamos ao cinema. E eu lembro que, nas noites dos domingos, todo mundo saía correndo para alcançar uma das duas sessões de cinema no meu bairro. Pai, mãe, filhos desde que o filme fosse com a censura livre. E muitas vezes as filas eram quilométricas nas bilheterias.
Ocorria então uma espécie de congraçamento entre as pessoas. A violência nas ruas nem de longe era igual à de hoje. Na realidade, sem contar os poucos ladrões de galinha e os batedores de carteira naquela época, nunca vi violência alguma na minha frente. E o silêncio... Sim, agora quero falar da existência do silêncio.
Hoje quando paro para recordar... Olhem bem caros cinco leitores, existia um silêncio silencioso antigamente. Não fiquem pasmos. Era realmente um silêncio silencioso. Nos dias atuais já aprendi a conviver com os milhares de ruídos do silêncio. Como meus ouvidos não são lá essas coisas eu até que estou salvo da barafunda. Mas antigamente... Antigamente a gente escutava o silêncio. Não só eu, mas a grande maioria das pessoas também escutava.
Não vim aqui para dizer como é esse tipo de silêncio. Que os mais jovens perguntem aos seus pais, tios, avós etc, pois eles lembram muito bem dele. E não acreditem muito nas lindas moças do tempo que aparecem na TV. Elas buscam programar nossa vida para um pensamento único: amanhã vai fazer sol e vai fazer sol mesmo, dirão. Quem achar o contrário será preso.
Fiquemos livre dessa comédia!

UM RETORNO NO TEMPO


Imaginar a vida de toda uma cidade rolando aos nossos olhos famintos de conhecimentos. Mergulhar no pensamento de seus habitantes mais velhos e saber as coisas que eles viveram. Descobrir-se água do rio, sentindo a brisa ampla a percorrê-lo. Transmutar-se nas pedras dos arrecifes e aceitar o impacto vigoroso das águas do Oceano Atlântico. Caminhar por ruas que não mais existem, como a Rua de Santa Tereza, no bairro de São José, onde uma das minhas tias morava. Ir à Festa da Mocidade no fim de cada ano e sentir de perto a algazarra juvenil do mundo recifense. Olhar os barcos à vela ancorados em frente ao Grande Hotel na Rua Martins de Barros. Desejar ser gente grande para poder entrar no Restaurante Flutuante, em frente à Livraria Ramiro Costa, bem como dependurar-se nos bondes com destino à Olinda, sentindo o vento no rosto, aglutinando o prazer da aventura....
Por muitas dessas coisas eu gostaria de ter vivido no Recife do tempo de meus pais. Poucas, pouquíssimas coisas usufruí, só nas oportunidades de quando meu pai me levava nas suas andanças, mostrando e ensinando como caminhar pelas artérias da cidade.
Recordo que andei de bonde, quando esse meio de transporte já estava desaparecendo. Visitei a Festa da Mocidade dois anos antes dela deixar de existir. Caminhei de mãos dadas com meu pai da proa a popa de um dos muitos barcos à vela ancorados em frente ao Grande Hotel. E na casa da minha tia Maria José, na Rua de Santa Tereza, pernoitei algumas vezes nas minhas caminhadas de adolescente.
O Recife ainda é o Recife. Mas tem um quê de estranho em suas atuais paisagens. Elas foram transformadas. Perderam o toque mágico de quando eu era menino. O Recife ainda vive muito vigorosamente nas minhas passadas de adulto por suas inúmeras ruas, mas essas ruas, hoje, são cruéis, abandonadas, frias e muito tristes.
De todo aquele casario do bairro de São José, antes de sua derrubada para a construção da Avenida Dantas Barreto, eu lembro a magia de um tempo. Da Praça da Independência sem aquele enorme monstrengo que é o Edifício Lar Brasileiro. Lembro a Ponte Giratória e da primeira vez que a vi rodopiar para dar passagem aos veleiros.
Uma pena que os homens que governaram e governam o Recife nunca tenham tido consciência de que o passado deve ter continuidade. A cidade devia ter sido mantida como os europeus fazem com as deles. Bastava embelezá-la, torná-la humana e não desumana como ela hoje se apresenta nas suas ruas fedendo a peixe podre, nas colunas sujas dos prédios da Avenida Guararapes, invadidos por centenas de sem-teto, nos monumentos cheios de pichações, na perigosa escuridão amiga dos meliantes a envolver as avenidas e as esquinas e as calçadas.
Os cinemas desapareceram. Os cinemas do Recife eram mágicos! Eram salas de sonhos! Espaços para amores fugazes e encontros proibidos. Cinema Moderno, Cinema São Luiz, Cine Art-Palácio, Cine Trianon, retratos de um tempo que se perdeu no caminho das minhas horas.
Mas o Recife ainda é o Recife que arrebata minha vida, ao sentir dentro de mim a vivência de horas de solidão nas suas ruas e avenidas. O Recife ainda é o poema que pretendo escrever um dia, quando os instantes alegres de meu tempo mergulharem nas lembranças tristes e alegres de minha humanidade.
Se eu puder, em outra encarnação, escolher uma cidade para nascer e viver, que o Grande Neutro me faça voltar atrás no tempo. Faça com que eu nasça na época em que os grandes veleiros faziam rodopiar a ponte Giratória para dar-lhes passagem. Ou, então, que me dê o caminho das horas de ser humano adulto, em frente ao Palácio de Alumínio, na Avenida Conde da Boa Vista, em janeiro de 1956, a comemorar ruidosamente o inesquecível título de Campeão do Cinqüentenário do meu glorioso Sport Club do Recife.