terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

DUALISMO

Depois de terem feito amor adormeceram.
Ele penetrou em um sonho onde as mulheres eram todas iguais a ela. Ela mergulhou em um pesadelo no qual os homens a possuíam como se fosse a única mulher na face do planeta. Para ela, um pesadelo cheio de dores, pois quando imaginava já se achar perto do fim, começava outro, e mais outro. Nunca parecia acabar.
Ele sentia o corpo das outras mulheres como se fosse o dela. E o cheiro de todos esses corpos era o cheiro dela. As atribuições, os pelos pubianos, as curvas, os sinais eram todos dela. E não queria sair desse sonho. Todas as mulheres eram como ela e ele o único homem sobre a terra, a possuí-la, a tê-la para si.
No pesadelo (ou pesadelos) ela começou a chorar. No sonho (nos sonhos) ele começou a rir. Na cama, ela rolou de um lado para o outro, aturdida, tentando fugir do pesadelo. Toda a população de homens do planeta estava procurando tomá-la toda para si. Ela queria acordar. Ah, como estava sendo difícil acordar!
Ele dormia com um sorriso nos lábios, deitado de costas, quase sem mover um músculo do corpo. E era outra ela a beijá-lo na boca. Estava quase acordando quando outra ela chegava e o levava para o prazer de senti-la completamente sua. Ah, como é bom dormir assim!
No pesadelo, de repente, a fisionomia errada. Um rosto de homem que não era ele. No sonho, de repente, o rosto errado. Um corpo de mulher que não era o dela. As coisas se transformaram e ele mergulhou em um pesadelo. Não era mais ela. Era outra. Não possuía a beleza dela. Era apenas uma a mais de tantas conhecidas.
No pesadelo, quando a fisionomia errada se aproximou, ela sorriu. Conhecia aquela cara. Não era a dele, e ao mesmo tempo era uma lembrança de todos os carinhos, carícias atrevidas que ela já conhecera. Desejou mergulhar mais no sonho, porém as fibras do seu corpo desejavam acordar do torpor provocado pelo pesadelo.
Ele buscou provocar sua fuga do sono e as fibras de seu corpo provocaram o desejo dela.
Ambos rolaram na cama e ficaram frente a frente. Uma das pernas dela passou por cima do corpo dele. Um dos braços dele envolveu a cintura dela. Saíram devagar do sono. Olharam-se bem dentro dos olhos. Os lábios a se entreabrir. As bocas a se unir. Rapidamente, todas as chamas se acenderam e os corpos penetraram um no outro. E ele era todo dela e ela completamente dele.
Depois de terem feito amor, acordaram.
Uma das mãos dela acariciou o rosto dele. Uma das mãos dele acariciou o rosto dela. Sorriram um para o outro. Que sonho eu tive, disse ele. Também tive um sonho, disse ela.
– Um sonho calmo e gostoso é muito bom. Sonhei que você estava vivendo em todas as mulheres do mundo.
– Meu sonho foi horrível! Um pesadelo! Estava louca para acordar! Sonhei que eu era a única mulher no mundo.
– Na verdade, você é realmente a única mulher do mundo para mim. Não existe outra.
– Você estava em todos os homens do mundo. Mas era um pesadelo! Como eu ficava dolorida ao ser possuída por todos os homens do mundo que eram você!
– Interessante tudo isso!
– Um pesadelo não é coisa boa.
– Como terminou o seu sonho?
– Um homem diferente apareceu e tentou fazer comigo o que você sempre faz.
– No meu sonho chegou outra mulher. Também tentou fazer comigo o que você faz.
– Não gostei disso!
– Eu também não gostei nada disso.
Ambos se levantaram e começaram a se vestir. Estavam calados e seus olhos não mais queriam se encontrar. Tentavam dizer alguma coisa. Mas ela lembrava o outro homem. Ele recordava a outra mulher.
Já na rua pareciam separados por uma grande muralha. Ela se perguntava: quem será a outra? Ele se inquiria: quem será o outro? Quando ela não estava olhando, ele a olhava de esguelha. Quando ele não estava olhando, ela o olhava de viés. Será que ele me quer ainda? Será que ela ainda me deseja?
Quando se despediram estava escrito no livro do destino de cada um deles a criação de uma nova saudade. Nunca mais iriam se encontrar neste mundo.
Ela pensava em outro homem.
Ele pensava em outra mulher.

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