terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

CANTARES

Cheguei até este limiar cheio de mim
Profetizando a dor escondida dos homens.
E delimitando no infinito do horizonte
Marcos e marcas para todos os viajantes
E neste limiar que pretende ser eterno
Profetizo o verso ainda não posto à mesa.

* * * * * *
(1)
O povo não é mais pescador dele mesmo.
Arrasta a maldição da dor devido aos gestos estudados
De quem ocupa a tribuna e se diz autoridade.
O povo vive de restos malditos
E nasce em berço muito pouco esplêndido.
Não pretendo atirar a primeira pedra.
Prefiro denunciar ao mundo a ganância dos chefes.
Não pretendo aceitar os ditames da última era.
Debruçarei meu corpo nos balaustres das pontes
Atentarei meu olhar nos rios sujos da cidade.
E tentarei falar a voz humana: “Sou pobre, mas honesto”.
Nem mais isso os meus queridos devem no balcão da vida.
(2)
Hipócritas
Outros homens dizem possuir a voz de Deus
E abrem o livro sagrado para fundar igrejas
e corromper a mente dos ignaros,
Vendendo a fé como uma sopa
e a crença como um pão adocicado.
A justiça fica adormecida em seus palácios
Fazendo ouvidos moucos à pregação
inconveniente da idéia do Senhor.
Eles consagram os vendilhões do templo
E beijam a moeda retirada do bolso do pobre.
Este é um novo ritual a fazer do
inalcançável a ilusão alcançada
E comprada como um sapato ou um trago de cachaça.
Ladrões da inocência!
A espada dos honestos ainda irá perfurar
seus imensos corpanzis de mentira e sujeira.
(3)
Ah, terra minha! Ah, gente minha!
Vamos agitar nossa força nas estradas!
Vamos partir e subir aos mais altos andares!
Vamos agarrar nossas aspirações na marra!
Túmulos não foram feitos
Apenas para quem não tem onde morrer de fome.
E a Pátria Nordeste ainda não foi de todo descoberta
Como ela merece.
Escuta, ó gente minha!
As areias e os seixos dos rios
Ainda estarão aqui pelos próximos séculos.
E elas devem crer que nossos guerreiros
Souberam agir com mente firme e mão generosa.
(4)
Nem Cristo nem Guevara.
Nem Buda nem Maomé.
Nem Ocidente ou Oriente.
A salvação é criar um tempo definitivo.
Agitar! Lutar! Sangrar!
Não vamos mendigar aos pastores da mentira
A idéia de um Deus de bordel.
Para que essa cegueira?
Nós somos o Reino!
Nós somos os ouvidos da vida!
(5)
Meu verso está sendo posto à mesa
Às mãos dos semeadores da palavra.
Não dêem as costas ao poema!
Não estilhacem o sangue do poema!
Não quero ver meus queridos agonizando
Sob a oratória dos corruptos e dos compradores da fé!
(6)
Lotadas as estradas com a esperança e seu verde brilhante,
Os homens golpearão seus inimigos
Nos versos escritos dentro do mais curto espaço do tempo.
E meu espírito vestirá a pele dos libertos
Desvendando as traições dos compradores de almas.
(7)
E todos irão saber que o Senhor da Liberdade
É um Senhor que respira e vive
Na alma do homem da terra.
Ele é forte e tem seu livro sagrado
Escrito na palma de suas mãos e em sua pele enrugada.
Com os palácios derribados
Com os falsos senhores desgrenhados
O homem real da terra poderá desfrutar a vida
E aprisionar parasitas que de nada cuidam
Mas apenas solicitam a presença da morte.
(8)
Caminhemos! Caminhemos! A estrada é longa!
Vamos buscar mulheres e homens!
O Senhor da Liberdade respira
E tem seu livro sagrado escrito na pele enrugada
Dos homens tristes e pobres.
(9)
Quando o verdadeiro vento nordeste varrer o semi-árido,
As fogueiras das vaidades terão de ser apagadas,
Mas acender-se-ão luzes de águas
E as chuvas ficarão plantadas nas almas dos guerreiros da vida.
E dos livros rasgaremos as páginas
das histórias oficiais escritas pelos opressores.
(10)
Ah, meu verso profético! Que beleza!
Aqui chegastes para extravasar a tua ira.
Aqui estás para render homenagem
Ao homem de nossa futura Pátria Nordeste.

...............
(11)
Agora fiquemos sós.
Ainda temos muito tempo.
Nossos refúgios são seguros.
Estou olhando para a terra e nela vejo uma força radiante.
Não preciso que você olhe para mim.
Não sou forte nem tenho intento insidioso.
Mas não estou assim tão adormecido.
Quero atrair você para uma missão conjunta
Aos momentos em que trocamos idéias e argumentos.
“Qual será a missão?” eis a pergunta.
Olhe: as ruas estão perigosas e os seres humanos
Têm suas almas sonâmbulas programadas
Por vídeos televisivos e mentiras oficiais.
Não se preocupe. O mundo tem conserto.
Vamos entrelaçar nossas idéias
Como cordas emaranhadas a amarrar os navios do porto.
(12)
Fiquemos sós.
Tenho a intenção de amar a sua idéia esplêndida
Nos nascentes e nos poentes dos marcos deste planeta.
E desejando olhar bem para dentro de mim
Você verá minha postura de guerrilheiro
Cumprindo um caminho evolutivo sem precedentes.
“Quem és?”, eis outra pergunta.
Olhe: na amplidão de todas as nossas madrugadas
Sempre aparecem as cinzas de um outrora.
Jogo-as pela janela do meu quarto.
Mas não se preocupe.
Não vou jogar fora as cinzas de amanhã.
Quero fazê-las voar célere ao seu encontro
Como a luz daquela estrela
Que somente hoje alcançou a terra.
(13)
Em verdade, em verdade vos digo:
A vida dos melhores humanos está jogada na sarjeta
E é por esse motivo que precisamos ficar a sós
E fazer um estudo dinâmico daquilo que somos.
Hoje é uma noite de agosto. Ela é fria.
A ventania entra pela janela do meu quarto
Trazendo os gritos dos guerreiros iguais a nós.
Em verdade, em verdade vos digo:
Somos muito mais do que habitantes das sarjetas
E por essa questão temos de ficar a sós
Para recriar os sonhos dos grandes profetas.
(14)
Em verdade vos digo:
Quando os deuses da terra eram outros
O homem era muito mais feliz do que hoje.
Mas ainda há tempo para moldar uma nova mística
E para plantar uma semente mais formosa de planta.
Por isso temos de ficar a sós. Eu e você. Nós.
Somos os únicos a compreender a nudez,
A beleza, a dor, a alegria e a verdade das coisas.
Em verdade, em verdade vos digo:
Podemos fazer o vento carregar mensagens otimistas
Para todos os deserdados do planeta.
(15)
Fiquemos sós.
Vamos enrodilhar nossos dedos uns nos outros.
Vamos amalgamar nossos cérebros para a luta.
Ao longo das grandes avenidas ninguém se fala mais.
Ninguém mais se olha para entender
As substâncias dos rostos e dos corpos.
Esqueceram a enxada, o martelo e a foice no arquivo morto.
O homem hoje ri ao matar seus semelhantes
E ao olvidar seus ancestrais,
Sem chorá-los pelas suas perdições nas multidões.
“Que faremos?”, eis outra questão.
Nada! Não faremos nada.
Ficaremos sós para profetizar o novo tempo.
Ficaremos sós para ver a verdadeira história ir e voltar.
(16)
A luz de sua imagem na plena madrugada
É uma condensação de paixão para meus olhos.
Em verdade, em verdade vos digo:
Haverá um tempo em que nos encontraremos
Arrependidos de nada termos sido
Tanto um para o outro
E de nada termos feito de bom do outro para o um.
Assim é necessário ficarmos sós,
Criando tempo de mim e tempo de você.
Tentando ser ousados na criação e nas decisões.
Nos palácios, os opressores de hoje riem de nossos anelos,
Mas nós daremos rédeas à imaginação quando ficarmos sós.
(17)
Nosso ficar a sós servirá para perturbar todo o universo.
Servirá para acabar com as leis dos “dinossauros”.
Para uma olhadela melhor às auroras.
Servirá para um mergulho fundo dentro de cada poro nosso.
Em verdade, em verdade vos digo:
Iremos implodir milhões de silêncios
E criar novas estrelas rubras
Para iluminar nossas futuras madrugadas.
(18)
Fiquemos sós.
“Queres ficar a sós comigo?”
Venha então.
Conheceremos melhor as vitórias e as derrotas.
Nas rugas de nossas peles saberemos quem somos,
Para onde vamos e qual o objetivo desta missão.
Em verdade, em verdade vos digo, ó homem simples:
O conhecer do passado cria em nós a verdade do futuro.
O saber das lutas cria em mim o desejo da vida.
Em verdade vos digo: Ao ficarmos sós
Entraremos em contato com todas as raças do mundo.

.............
(19)
As esperanças ainda estão vivas nas ruas,
Apesar de os olhos dos homens não brilharem
Como nos dias de antanho.
Quase todos estão trêmulos e sozinhos e ansiosos
E um tanto esquivos das suas realidades.
Talvez pensem que tudo esteja perdido
E que o reinado da dor e da morte tenha se revigorado.
Em verdade, em verdade vos digo:
Não devemos nos esquivar daquilo que vivemos
É preciso reunir nossas forças na beira de todos os rios
Antes que as sombras da morte
Derrubem a estrela perpétua do seu altar de sonho.
(20)
Meus queridos, a Pátria Nordeste não é uma terra morta
Cheia de cactos selvagens.
Ela é a imagem dos olhos das crianças.
Das nossas mulheres e dos homens voluntariosos.
Não deixemos que o lampejo da bandeira rubra
Se deixe ficar agonizante nas mãos dos incréus que beijam
As bandejas dos desvarios e das loucuras do ouro.
No reino de dentro de cada um de nós
Não devem existir disfarces. Em verdade vos digo:
Temos de nos comportar como se o vento nordeste
Seja um frêmito de guerra com garras flamejantes.
(21)
Não somos homens imbecis nem esclerosados.
Não somos fantoches nem marionetes.
Estamos amparados uns aos outros pelo suor
A escorrer através dos poros quando trabalhamos a terra.
E, quando gritarmos juntos e unidos,
O sussurro da vitória será um trovão
Que de tão formidável abalará
As entranhas dos comensais da morte.
Caminhemos! Caminhemos! A estrada é longa!
Vamos buscar mulheres e homens!
O Senhor da Liberdade respira
E tem seu livro sagrado escrito na pele amarfanhada
Dos humanos tristes e pobres.
(22)
Os queridos que escolheram andar na outra margem
Deixaram de aceitar a realidade destes tempos.
“Ah, como é violenta essa vida!” – pensaram.
Eles entregaram gratuitamente as almas ao deus do bordel
E aos homens que usam o livro sagrado para fundar igrejas.
Foram empalhados como espantalhos e programados
Para vender a fé como um trago de cachaça
E para roubar a moeda do bolso do pobre.
Será contra essa nação de hipócritas que iremos lutar.
Não vamos dizer que possuímos a voz da divindade.
Possuímos nossa verdade e nossa fome.
Nossa pobreza e nossa honestidade.
(23)
Em verdade, em verdade vos digo:
O vento nordeste está cantando solenemente o hino
Da mais cruel realidade da nossa vida.
Que os hipócritas fiquem longe, não se aproximem.
Nem mais um passo dêem.
Estamos em frêmito de concepção,
Pois somos a raça dos escolhidos.
Antes que as águas cubram as planícies,
Em verdade vos digo:
Antes que a vontade dos corruptos seja cumprida
Os brotos das árvores serão muitos mais novos
Que as raízes postas no chão pelas mãos dos opressores.
(24)
Eis aqui: nosso maior anseio.
Eis aqui: nossa idéia essencial.
Eis aqui: a explosão de nossos suspiros.
A pétala da flor vermelha se reabre
Quando ganhamos mais uma vez o dia
Ao rufar dos tambores da vitória dos nossos heróis.
(25)
Qual caminho você vai escolher, meu amigo?
Não, nada disso.
Eu não estou fazendo papel de místico.
Eu sou um guerrilheiro espirituoso.
Sou um peregrino a viver das minhas explosões verbais.
Não vou obrigar ninguém a seguir caminhos.
Se você prefere a derrota, siga!
Também é muito bom sofrer derrotas.
Com elas aprendemos o sentido da vida.
(26)
Eu falo porque quero falar.
Gritarei quando desejar gritar.
Faço parte do mundo e o mundo é meu.
Os hipócritas que nos governam não são donos do mundo.
Está envergonhado de mim?
Que assim seja.
Mas em verdade, em verdade vos digo:
Ao ficar envergonhado de mim
Você estará mais do que nunca sendo covarde.
E como um leproso pensando não ter cura
Esconder-se-á nas cavernas do próprio medo.
Em verdade vos digo:
Não ando pelo mundo a derramar lágrimas de lástima.
Nem vou gemer e me acovardar
Para ganhar as honrarias dos chefetes de última classe.
(27)
E então eu pergunto outra vez:
Quer ficar a sós comigo?
Este ficar a sós não significa esconderijo
Significa guerra. Significa luta.
Significa que iremos tocar fogo nas histórias oficiais
Escritas pelos que se dizem donos da verdade.
Quer ficar a sós comigo?
Mostraremos o quanto somos válidos
E não iremos criar leis
Para termos desculpas a serem descumpridas.
............
(28)
Eis-me aqui na terra completamente seca...
Um rosto enrugado de homem olha para o céu
Buscando as águas da chuva.
Nas suas pequenas e rústicas casas, as crianças
Brincam com a sopa de suas próprias fomes.
Mas o homem tem o olhar da esperança
Mergulhado até o fundo da retina no horizonte.
Esperando e contando nos dedos
Os poucos grãos de feijão que poderá ter
Após umas poucas gotas de água caírem por sobre a terra.
(29)
E eis nos palácios dourados a safadeza das autoridades
Prometendo mundos e fundos para florir a terra seca
E preparando o corpanzil para voar
Até as paisagens européias,
Onde poderá gastar o dinheiro do suor do outro.
E desovar em algum recanto de Manhattan a sabedoria
Que julgam apenas eles a possuir por serem governo.
Em verdade vos digo, ó párias do dólar:
Há de chegar o dia em que suas casas serão invadidas
Pelas almas mais simples desta nação.
Há de chegar o dia em que todos ficarão
Olhando tristes para os remendos
De suas calças e de suas casacas.
(30)
A voz dos deserdados ainda não é forte o bastante
Para rugir o trovão da guerra nas caatingas,
Mas os espíritos hoje são outros.
Não são adolescentes seguindo uma coluna vermelha.
Eu também não pretendo ser um líder.
O homem da salvação chegará no momento certo
Marcado há muito tempo na história da raça.
Ele virá quando as águas dos rios
Começarem a cobrir as praças.
Quando o mar ocupar os vazios do espaço a ele tomado.
E ele será muito mais que o Enviado.
Não será um Guevara nem um Cristo.
Não será um Maomé nem um Buda.
Será simplesmente ele: o homem do tempo definitivo.
O homem da agitação.
O homem da luta.
O homem vindo para sangrar.
(31)
Em verdade, em verdade vos digo:
O devir não mais será como está nos “livros históricos”
Escritos pelas classes dominantes.
O homem a surgir será o mais forte de todos os homens.
Beberá terra para matar a sede.
Comerá vento para matar a fome.
E estará dando seu sangue a todos os companheiros
Postos ao seu lado na perseguição da verdadeira vida.
Em verdade vos digo:
Ele não vai enveredar pelos ardilosos caminhos
Da história oficial escrita pelos vendilhões dos templos.
(32)
Portanto, querem ficar a sós comigo?
Ao pé de qualquer rocha deste nosso Nordeste
Esculpida pelo vento rebelde das fronteiras
Veremos o verdadeiro significado do tempo.
A palavra medo será riscada do dicionário.
E nunca mais iremos enveredar pelos labirintos
Engendrados pelos ladrões da inocência
Para dar uma ilusão de vida aos nossos filhos.
Em verdade, em verdade vos digo:
Eles virão e será para sempre e será logo.
O passado virá para o povo conhecer o futuro dele mesmo.
Eles estarão ao nosso lado designando como será a luta
Para aprisionar os homens que dizem conhecer Deus
E que vendem ilusões como se vende cachaça.
Eles chegarão para extravasar a ira mais honesta.
E para render tributo ao homem do Brasil nordestino.
(33)
Marcos e marcas.
Vermelha é a cor das almas dos homens
Enxada e martelo e foice centenárias
Na espera da ressuscitação.

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