sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

SUSSURROS DA VIDA

Vozes sussurraram nos sonhos tentando falar coisas de vida para mim. Nos tempos de hoje, quando a morte é a musa dominante, quem é que sabe falar de vida? Eu não sabia, mas em meus sonhos muitas vozes sussurravam falando desses segredos. As vozes eram conhecidas e ao mesmo tempo eu quase nunca as tinha escutado. Podiam ser anjos, pensei. Talvez eu tenha morrido e...

Estão vendo, meus caros cinco leitores, como pensar na morte domina a vida?

Eu estava apenas tentando fazer com que vocês deixassem de ler estas tolices. Vão embora! Deixem-me em paz! Não estou a fim de ter gente interessada no que escrevo. E ainda mais cinco pessoas. É muita gente, porra!

Mas já que vocês insistem....

Digo que estava sonhando e não sei se era um sonho bom ou mau. Era um sonho que me levava aos alpendres dos anseios vitais. Descobria por meio dele como estou perto de partir. Claro, dirão vocês. Todos estamos pertos de partir. Assim é a vida. Desde o instante em que nascemos começamos a morrer.

Não, não é disso que desejo escrever agora. As vozes diziam palavras como esperança e fé. Soletravam substantivos mesclados com os verbos amar e alegrar. As vozes buscavam incentivar o meu ego de cético para pensar em coisas mais interessantes que eu mesmo (um fato que não me causa preocupação é esse: nunca fui interessante e assim não preciso dar razão a essas vozes).

Interessante é que falavam como se fossem pessoas vivas. Seus sussurros alcançavam até o sangue que me deslizava nas artérias. “Quem são vocês? Por que não me deixam dormir?” “Você está dormindo, meu amigo”. “Sei que estou dormindo, mas vocês parecem que pretendem me deixar acordado”. “Você também está acordado” “Olhem, eu não gosto muito de brincar numa hora desta. Ninguém fica acordado e dormindo ao mesmo tempo”.

Um vento morno invadiu a noite do sono e por um instante as vozes se calaram. Tentei recuperar o descanso perdido, mas de repente elas voltaram a judiar do meu cansaço. “Você não pode deixar de lado o pensamento do seu sono e não pode escravizar dentro de si a perdição do descanso”. “Não me enlouqueçam”, reclamei. “Saia da cama e vá até a janela. É quase dia. Olhe para fora e diga o que vê”. “Depois vocês me deixam em paz?” “Sim”, responderam.

No limiar do sonhar e do acordar fiz-me sonâmbulo e deslizei da cama até a janela do quarto. Do segundo andar, olhei para fora e vi apenas a rua deserta. Senti a brisa fria da manhã batendo na minha face e arrepiando meus poros.

“Notou?”, perguntaram as vozes. “Notei o quê? Não notei nada. Só o vento e o frio”. “Então você tem consciência disso, não?” “Claro, estava realmente frio. Ventava”.

As vozes desapareceram e de repente vi-me na cama seminu a tentar encobrir-me com o cobertor. A aspereza friorenta da quase-manhã envolvia meu corpo com a aragem matutina a entrar pela janela aberta. Busquei proteção nas cobertas quentes, abracei o corpo da mulher, senti o calor e o perfume a emanar de sua carne e de repente descobri o quanto era bom estar vivo.

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