quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

DE "TUTO" UM POUCO

“Tuto” é um menino de rua. Mas é diferente. Não tem parecença nem se iguala com os tantos meninos de rua que perambulam pelo Recife. Seu quarto de dormir é a esquina da Rua Estreita do Rosário com a Praça da Independência. Sua casa é toda a imensidão dos bairros de Santo Antônio e de São José. Porém, “Tuto” é diferente. Não cheira cola, não puxa fumo e não assalta os transeuntes.

Na sua pequeneza de morenidade pernambucana – 12 anos – ,“Tuto” faz de tudo um pouco para sobreviver. Entra nos bares, nos botecos, nas casas de jogo de bicho, nas agências bancárias. Em todos esses locais é bem conhecido. Entra e começa a pedir. Pode ser um pão, uma coxinha de galinha, um saco de batatinha frita, um pastel. É um retrato pelo avesso dos outros meninos de sua idade. Quem o conhece sabe que se pedir algo a ele, como um raio ele atende.

“Tuto” vai ali no fiteiro e traz pra mim uma carteira de Hollywwod”. “Ei, “Tuto” traz o resultado do bicho pro tio”. “Toma esses trocados e leva pra consertar a pulseira do meu relógio, “Tuto”. "Me dá o quê, após?" “Vai “Tuto”, o tio dá uma sopa”. “Pra ganhar uma coxinha só fazendo o que eu peço “Tuto”.

E “Tuto” vai.

Compra a carteira de Hollywwod, traz o resultado do bicho, leva pra consertar a pulseira do relógio. Faz tudo certinho. Depois cobra a sopa ou a coxinha de galinha, o saco de batatinhas fritas. E também um copo com água. “Tuto” faz de tudo um pouco para sobreviver na selva cidadã. Os outros meninos e meninas de rua o dizem meio doido.

“Sou doido não, tio. Doidos são eles”.

Pai e mãe? Não sabe onde estão. Dizem que o pai é um detento do Presídio Aníbal Bruno e que a mãe morreu atropelada. Mas “Tuto” não liga para isso. Ele é um menino diferente.
“Não tem medo de viver na rua?” “Medo? O que é medo? Nada disso, tio. Ando por aí e é tudo igual. Sei disso não”.

Conhece todas as ruas dos bairros de Santo Antônio e São José. Se alguém desejar saber onde fica a Praça do Sebo e ele estiver por perto...

“Pergunte ao “Tuto”. Ele sabe de tudo”.
Eu o conheço desde o final do ano de 2004. E sempre ao me ver ele diz: “Tio, tô com fome”. Pago uma coxinha de galinha, peço um refrigerante...“Quero isso, não, tio. Quero água”. “Mas isso é coca-cola, “Tuto”. “Não gosto. Quero só um copo com água”. “Tuto” talvez seja o único menino do mundo a não gostar da bebida dos ianques.

Há uns tempos não vejo “Tuto”. Uns três meses, mais ou menos. Desapareceu dos locais onde sempre dava o ar de sua graça. Quando perguntei sobre seu paradeiro a um dos meninos de rua, eis a surpresa:

“Aquilo é um doido”. “Por quê?” “Maricas, doido e burro”. “Mas...” “Quer mermo saber, tio? Ele tá na escola. Tá numa escola da igreja dos crentes”. “Como?!” “O besta disse que tá aprendendo a ler, oras”. De “Tuto” um pouco de cada vez. Não sei se irei vê-lo de novo. Quem sabe, um dia eu o veja homem feito escrevendo um livro sobre sua vida de menino que vagava pelas ruas do Recife?

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