quarta-feira, 5 de março de 2008

REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817 (2º)

O governador da Província, temendo o agravamento da situação, mandou prender pessoas suspeitas de envolvimento com as lojas maçônicas, tentando, assim, controlar a situação. Entretanto, não foi bem sucedido, pois ocasionou a deflagração do movimento, em 6 de março de 1817. Os líderes da revolta prenderam o governador e instauraram um Governo Provisório, baseado em uma Lei Orgânica que proclamou a República, estabeleceu a igualdade de direitos, a tolerância religiosa, a liberdade de imprensa e de consciência, sem, no entanto, abordar a questão da escravidão. A Lei Orgânica determinava, ainda: que se os estrangeiros estabelecidos na região dessem provas de adesão seriam considerados "patriotas"; a abolição dos tributos que oneravam os gêneros de primeira necessidade; e que o Governo Provisório duraria até a elaboração da Constituição do Estado por uma Assembléia Constituinte, a ser convocada dentro de um ano.

O movimento, denominado Revolução Pernambucana, abrangeu amplas camadas da população, como: militares, proprietários rurais, juizes, artesãos, comerciantes e um grande número de sacerdotes, a ponto de ficar também conhecido como a "revolução dos padres." A participação dos padres deve-se, especialmente, ao fato de serem, também, grandes proprietários rurais e, portanto, quererem proteger seus interesses. As camadas mais humildes também aderiram, por sentirem-se atingidas pelas medidas do Governo português, que ocasionaram o encarecimento dos gêneros alimentícios. Os comerciantes portugueses de Recife, por sua vez, tentaram impedir o movimento, interessados na preservação do sistema colonial e de seus privilégios, oferecendo 500 mil francos aos membros do novo Governo para que desistissem da revolução.

O Governo Provisório, formado pela elite colonial, era composto pelo comerciante Domingos José Martins, o advogado José Luís de Mendonça, o capitão Domingos Teotônio Jorge, o padre João Ribeiro e o fazendeiro Manuel Correia de Araújo e pretendia ser o representante de todos os grupos. Mas essa abrangência não incluía os escravos, apesar de os líderes da revolução falarem o tempo todo sobre Liberdade. Para eles, Liberdade significava o fim do domínio português e a independência, senão da Colônia, pelo menos do Nordeste, isso porque o movimento se estendeu a outras províncias da região, atingindo Alagoas, Paraíba,Ceará e Rio Grande do Norte. Não pretendiam acabar com a escravidão, mas como essa idéia passou a ser ventilada e os proprietários rurais ameaçaram tirar seu apoio ao movimento, o Governo Provisório lançou um manifesto negando tal intenção, onde se lia:

"Patriotas Pernambucanos! A suspeita tem se insinuado nos proprietários rurais: eles crêem que a benéfica tendência da presente liberal revolução tem por fim a emancipação indistinta dos homens de cor e escravos. (...) Patriotas, vossas propriedades, ainda as mais opugnantes ao ideal de justiça, serão sagradas; o Governo porá meios de diminuir o mal, não o fará cessar pela força. Crede na palavra do Governo, ela é inviolável, ela é santa."

Buscando romper com o passado de exploração e opressão, os patriotas pernambucanos quiseram, também, fazer uma revolução nos modos e maneiras de se relacionarem com as pessoas, pretendendo nelas incutir o sentimento de igualdade, ainda que restrito aos homens brancos. O comerciante francês Tollenare, que entre 1816 e 1818 esteve em Pernambuco, fez as seguintes observações a respeito dessa questão em seu livro " Notas Dominicais":

"(...) Em lugar de "Vossa mercê", diz-se "Vós", simplesmente; em lugar de Senhor é-se interpelado pela palavra Patriota, o que equivale a cidadão e ao tratamento de tu (...) As cruzes de Cristo e outras condecorações reais abandonam as botoeiras; fez-se desaparecer as armas e os retratos do rei."

Esses novos modos vão ser absorvidos, também, pelas camadas mais humildes da população, o que vai causar indignação entre os mais ricos, como mostra o historiador Ilmar Rohloff de Mattos: "Um português que vivia na cidade, Cardoso Machado, comentava indignado: "(...) até os barbeiros não me quiseram mais fazer a barba, respondiam que estavam ocupados no serviço da pátria, via-me obrigado a fazer a mim mesmo a barba (...)". Havia, também, entre essa elite, o medo de uma possível repetição da revolução de escravos ocorrida no Haiti, por conta da repercussão entre a população mais pobre das idéias liberais da revolução, como se pode perceber em outra fala atribuída a Cardoso Machado: " (...) Cabras, mulatos e crioulos andavam tão atrevidos que diziam éramos iguais e que haviam de casar, senão com brancas das melhores. Domingos José Martins andava de braço dado com eles, armados de bacamartes, pistolas e espada nua (...)"

Procurando apoio ao seu movimento, os líderes revolucionários contataram, sem sucesso, os Estados Unidos, a Argentina e a Inglaterra. Junto a esta última tentaram obter, em vão, a adesão do jornalista Hipólito José da Costa, lá radicado. Quando a notícia sobre a revolução chegou ao Rio de Janeiro,
D. João promoveu uma violenta repressão, buscando evitar, de qualquer modo, a ameaça à união do Império. Os revoltosos entraram pelo Sertão nordestino, mas, logo em seguida, as tropas enviadas por D. João, acrescidas das forças organizadas pelos comerciantes portugueses e proprietários rurais, ocuparam Recife em maio de 1817. Os Governos da Bahia e do Ceará também reagiram à revolução, prendendo os revoltosos que para lá se dirigiram, buscando adesão ao movimento.

A luta durou mais de dois meses, até as forças governistas conseguirem derrotar os revoltosos. A repressão foi extremamente violenta. Muitos dos líderes receberam a pena de morte, como Domingos José Martins, José Luis de Mendonça, Domingos Teotônio Jorge e os padres Miguelinho e Pedro de Sousa Tenório. Para o Governo português a punição deveria ser exemplar, para desestimular movimentos similares. Depois de mortos, os réus tiveram suas mãos cortadas e as cabeças decepadas. Os restos dos cadáveres foram arrastados por cavalos até o cemitério.

Em 1818, por ocasião da aclamação do rei D. João VI, ocorreu o encerramento da devassa, a suspensão de novas prisões e a libertação dos prisioneiros sem culpa formada. Continuaram, entretanto, presos na Bahia os implicados que já se encontravam sob processo, e assim permaneceram até 1821, quando foram postos em liberdade. Entre eles estavam o ex-ouvidor de Olinda, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, os padres Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo o Frei Caneca e Francisco Muniz Tavares.

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