segunda-feira, 29 de novembro de 2010

DOIS POEMAS DO SÉCULO PASSADO

Poemas inseridos no meu livro Meio a Meio publicado no ano de 1979
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PRELÚDIO

É meia-noite e estão tantos ao meu redor.
Muitos riem e esvaziam os copos.
Tratam de frivolidades
E não vale a pena falar do tempo.

Eu fumo meu cigarro.
Eu olho para todos.
Espero...
Todos são provisórios
E em todos não haverá indestrutibilidade.

É meia-noite...
Ah, como acho amarga essa madrugada depressiva!
Saudades de coisas nunca feitas noutros dias.
Angústia de ter sido trêmulo no perigo.
Áspero na quietude do vento.

A verdade tentei enclausurar nas mãos
Para amigar-me com os homens.
Infelizmente, a fome andava nas cercanias.
O mundo estava desordenado.
E assim que passou o tempo
Eu pereci. Nós perecemos
E não escapamos do poder dos patrões.

Eu podia pouco com isso.
Eu preferia não ser eu, penso que preferia.
Tanto porque escolhi a não-violência,
A justiça, a alegria, o sol, a paciência...
Mas era pequeno o meu limite.
E quase tudo punha-se tão longe...
Longe dos nossos pés desesperados.
E perto de nós
Só a revolta, os carrascos e a fome.

Desculpem-me vocês:
Eu não tive forças.
Prepararam errado o caminho da nossa realidade
E eu não pude ser o outro que tantos queriam.
Ainda quero que os objetivos pequenos continuem na penumbra
E que todos esqueçam essas futilidades.
Eu quero todos rindo e esvaziando os copos
Não vale mesmo a pena falar do tempo sem sol...

É mais de meia-noite...
Fumando eu espero...
Não adianta falar das nossas fraquezas
Se o governo do mundo dorme com assassinos.
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NOITE COMO ASSUNTO

Não!
Não sejam necessárias as reminiscências.
Minhas noites sempre têm mais luzes.
Maiores multidões de segredos.
Muitas e imensas solidões.

Para início de assunto, eis as estrelas!
Tão separadas umas das outras!
Dá pena vê-las!
Oh, mensageiras de sinais ignorados do cosmo infinito!

Não! Recordações passadas não são necessárias
Para construir um poema para a noite/hoje
Com um certo tempero da noite/amanhã.
Faço-o com minhas idéias, simplesmente!

A noite tem mais luzes e mais abrigos.
Recantos onde todos curtem sorrisos e tristezas.
Possui feminilidade e perfumes.
Bares abertos.
Ouvidos atentos para milhões de lábios.

A noite tem próprios refúgios:
Locais onde podemos argumentar sem medo.
Ruas desertas para ouvir/curtir a madrugada.
Vias onde caminhamos ao acaso
Com e sem possibilidade de retorno.

Há o bas-fond:
Desaguadouro de mágoas em amplos ventres.
E, ainda, os botecos das ruas estreitas
(fétidos de fezes e urina)
Com seus imensos braços abertos.

Cadeiras, mesas, copos, garrafas.
Refrões claros e escuros.
Muitas mãos gesticulando.
Outras compassadas em eterna espera.
Toda uma completa vivência da noite/hoje
Nalguma batucada vibrátil,
Compasso de algum beijo,
No tilintar dos copos em elevação ritual.

Existem despedidas provisórias.
Existem despedidas sem nexo.
Existem despedidas amargas e eternas.

E todos parecem numa espera insolúvel por algum sol...

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