segunda-feira, 29 de novembro de 2010

TROVÕES

O que se tem de fazer? O homem pensava. A noite do lado de fora do casebre estava esquisita. Lampejos desvairados de dor nas têmporas. A chuva fazia a lama entrar pelas frestas de madeira da casa. A barriga revirava com vários roucos de fome. A luz do candeeiro bruxuleava.

No canto a mulher tinha elevado a cama sobre vários tijolos para não ser alcançada pela lama. E dormia abraçada com a menina. Do outro lado, o menino enrodilhado entre as pernas da mãe. Mexeu-se. Puxou um lençol rasgado por cima. O corpinho de doze anos estremeceu vestido com a camisa do time de futebol do coração.

O que se tem de fazer? O homem olha ao redor. Coça a barba hirta. A fome não o faz pensar bem. Enfia a mão no bolso da camisa e de lá retira uma garrafa de cachaça. Bebe um gole. Fica mais quente. A dor nas têmporas aumenta e ele tem vontade de gritar. Morde os lábios até o sangue escorrer.

E por que é mais fácil isso? Ter uma arma e ter bala de chumbo no cilindro? Por que é tão fácil? Mais fácil ter isso do que um pão ou um pedaço de carne. Levanta-se. Vai até o fogão enferrujado. Uma panela. Abre. Só um resto de sopa de legumes. Enche uma caneca. Bebe. Que merda!

O que se tem de fazer? Um relâmpago traz um estrondo do trovão. A chuva aumenta. Ele pensa em dormir, mas a dor nas têmporas anda a abater seu sono. Olha a mulher na cama. Que fizemos? O que fiz? A cabeça da mulher utiliza uma bíblia como travesseiro. Ele fica irritado. Ah, que Deus de merda é esse que nos faz isso?

A dor nas têmporas aumenta. Ele começa a perder o entendimento de si. Olha para os lados. A luz bruxuleante do candeeiro faz o casebre parecer uma gruta de abrigar animais. A mulher gira o corpo e faz a bíblia cair na lama no chão. Que vá à merda! Quase que ele grita.

Faz outra dose de cachaça deslizar pela garganta. O que se tem de fazer? Sente que tem de fazer o óbvio. Nada existe para ir adiante. Nenhum caminho se abre com sol. Nenhum futuro. É tudo escuro e chuvoso. É tudo fome. É tudo sem constância. Do bolso da calça tira um pacote e põe na mesa.

O que se tem de fazer? Tudo que for preciso para sair deste espaço de merda, diz para si mesmo. Um revolver calibre 38 agora nas mãos. O cilindro com as seis balas. É tão fácil ter uma arma e é tão difícil ter um pão!... Vai até a cama. A mulher recebe o tiro nas têmporas. Depois mais dois tiros no menino e na menina.

Quando o relâmpago traz o poderoso trovão o tiro que ele dá em si mesmo é abafado pelo clamor da tempestade.

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