sábado, 28 de janeiro de 2012

QUEM CONSTRÓI UM SER?

Escrevi “Olhos Abertos Para a Morte” quase sem intenção alguma. Talvez porque tenha sentido dentro em mim a necessidade de colocar em pauta causa e efeito, efeito e causa. Quem constrói um ser? Esta deve ser a pergunta principal quando o leitor terminar de ler o livro. Claro que eu possuía convergências variadas e pessoas variadas para dar vazão ao pensar quando escrevi este pequeno romance. Principalmente na ligação com o ser chamado capitão Fernando Clemens. Um ser que muitos irão julgar diferente e perigoso e maléfico, esquecendo que ele era simplesmente um ser humano sofrendo a construção da vida no corpo e no espírito, dentro e através. As culpas de ser no mundo de qualquer pessoa, na realidade, estão ligadas à vertiginosa construção da vida e essa construção às vezes nem vem da própria pessoa, mas daqueles que a coordenam desde a infância, pais, colegas de escolas, professores, amigos. O capitão Clemens é apenas um retrato. Todos nós somos retratos de quem nos fizeram seguir um determinado rumo. Criamos um caráter? Criamos uma consciência? Criamos uma personalidade? Ou será que tudo isso nos foi embutido durante nosso crescimento como gente? Pensemos!

A seguir, trechos do livro ainda inédito para que os seguidores deste meu blog possam curtir. Em tempo: estarei lançando este livro no mais tardar em março de 2012.

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Acordava sempre às seis da manhã e após o desjejum sua mãe o levava até a parada do ônibus, no rumo da escola. Era um aluno aplicado. No entanto, sua aplicação baseava-se no simples fato de que se não cumprisse o que lhe era ordenado, iria sofrer as penas do inferno. Uma vez, gazeou dois dias de aulas por conta própria, passeando de trem desde a estação de Jaboatão à do Recife. Seu pai soube. O carrancudo coronel do Exército, Wellington Clemens, acorrentou-o no quarto no fim de semana. Colocou livros e cadernos no chão. Abriu-os, mostrando os deveres ainda não feitos.

Sentiu-se despido vagarosamente. Nu, amarrado pelos pulsos a um dos caibros do telhado, viu seu pai vendar-lhe os olhos. Escutava o pranto da mãe vindo de algum recanto da casa. Tentou gritar, mas estava com a boca amordaçada. “Lembre-se que isso é para o seu bem! Não coloquei filho no mundo para ser outro vagabundo de merda!”, escutou o pai dizer.

A primeira vergastada alcançou suas nádegas. Era o cinturão de couro de jacaré do pai. A segunda vergastada atingiu suas costas. A terceira novamente suas nádegas. A partir daí, começou a ser surrado com calma, sem clemência, para que pudesse sentir a dor e a agonia. Nas nádegas, nas barrigas das pernas, nas costas. O cinturão atacava metodicamente. A dor era insuportável. Como não podia gritar, o corpo suava, parecendo pedir socorro. “Para você lembrar que isso é para seu bem! Eu penso no seu futuro! Filho meu não vai ser qualquer vagabundo safado!”, escutava a voz do pai, e lá vinha outra vergastada do cinturão de couro de jacaré.

Tinha perdido a conta de quantas chibatadas levara naquele dia. Mas desse momento em diante aprendera que a obediência era a única solução possível. Não tinha força alguma para enfrentar o tamanho de homem que era seu pai. Após a surra, a venda foi retirada junto com a mordaça. “Você mereceu isso, rapaz! Fiz isso para seu bem. Não falte mais as aulas. Estude! Olhe seus cadernos no chão. Vai estudar, não vai?” Olhou para o pai. A mãe agora estava ao seu lado, com um pano úmido a passar no seu corpo castigado. A pele estava rubra devido às vergastadas. Anuiu com a cabeça. E começou a pegar os livros e a levá-los até sua mesinha de estudo no quarto.

À noite, antes de dormir, o coronel Clemens o chamou até a sala. Tinha 13 anos quando isso aconteceu e desde esse dia, descobriu que obedecer tem de ser com dor. “A partir de hoje, antes de dormir, vamos cantar o hino”, disse o pai. “Qual hino?”, perguntou ele. “Nosso hino! O hino que faz os homens serem fortes!”

Aprendeu rápido a cantar. Todas as noites antes de dormir, lá pelas nove horas da noite, ele e o pai se juntavam na sala de estar e cantavam: “Nós somos da Pátria a guarda / Fiéis soldados / Por ela amados / Nas cores de nossa farda / Rebrilha a glória / Fulge a vitória. / A paz queremos com fervor / A guerra só nos causa dor / Porém, se a Pátria amada / For um dia ultrajada / Lutaremos sem temor.”

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