terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

CIDADÃO SOLITÁRIO

Dedicado a Valdeci Ferraz, meu amigo.
(...) Olhando as raízes de uma árvore velha à beira do grande rio que banha a cidade... / as raízes falam do tamanho da vida de suas artérias / molhadas e umedecidas pelos suores de homens e mulheres famintos de ilusão... (...) Grito ao vento: ACORDA! ACOOORDAAA! / Os sonhos de teus homens e de tuas mulheres estão presos em tuas raízes, ó velha árvore!/ No instante fugaz em que eu adormecer para sempre...
A tarde, hoje, estava macia e úmida. O Recife repleto de gente, indo e vindo. Poucos humanos se olhavam nos olhos. Poucos se viam. Eram formigas ligeiras em busca de um ilusório objetivo de continuidade.
Eu lembrei de você, meu amigo. Eu e você dentro de uma daquelas tardes iguais a de hoje. Caminhando pela Avenida Guararapes, olhando as mulheres, rindo dos homens, discutindo sobre futebol, religião, política e buscando usufruir pedaços infinitos da vida cidadã.
Faz tanto tempo isso, meu amigo!
Quando a tarde quente começava a receber os carinhos amenos da noite, estávamos entrando sorrateiramente no Bar do China, na Avenida Dantas Barreto, olhando os números a mostrar o resultado do jogo do bicho, e pedindo uma cerveja gelada, várias cervejas geladas, para matar nossa sede animal de sem destinos. E nesse instante éramos nós que recebíamos os olhares das mulheres e dos homens solitários. Ficávamos sozinhos, percebendo tudo, mas sem agir de outra maneira que não fosse a que conhecíamos: recebendo os ares da noite e olhando as raízes de nossas árvores envelhecidas à beira do grande rio que banha a cidade.
E, hoje, estou sozinho a caminhar pela Avenida Guararapes, circundando a Rua da Roda e adentrando a Avenida Dantas Barreto... Não mais existe o Savoy de Carlos Penna Filho, o Bar do China, o Bar Cristal com o Arlindo a colocar no seu livro negro as dívidas dos boêmios... Não existe mais nada a não ser as lembranças de quando éramos pessoas mais felizes do que hoje. Sim, mais felizes do que hoje. Exatamente! Porque, por mais que tentemos agora demonstrar ao mundo que somos felizes, ficamos uns alegres/tristes...
Não, meu amigo. Nós éramos muito mais felizes antes, quando podíamos ter a liberdade de criar, de caminhar, de olhar, de beber nossos copos de cerveja sem ódio e sem medo, discutir política, religião, imaginar utopias. Assim, a tarde de hoje do Recife trouxe essas reminiscências. Trouxe também a entrada da noite e as lembranças de nossas invasões dos cabarés da Zona: com a Shirley, a dama de vermelho a nos circundar, a nos tentar, a buscar nossos corpos carentes.
Fiquei sozinho, meu amigo. Agora apenas eu curto as tardes/noites da cidade, apenas eu olho para as últimas luzes do sol a iluminar o Capibaribe. Somente eu busco nos olhos das mulheres e dos homens aquelas sensibilidades do antanho.
Saiba que a cidade continua ela mesma. Febril! Vadia! Perigosa! Cheia de boemia! Repleta de mistérios! Maliciosa! Serena! Molhada! Tesuda! Safadamente safada! E, imagine você: a procurar por nós dois! A cidade do Recife continua completamente viva aos olhos do mundo.
Antes, quando fazíamos nossos poemas de amor ao Recife, odes de paixão às suas lindas mulheres, lindas, lindas, lindas (ah, meu Deus, quantas mulheres lindas o Recife tem! Quantas mulheres tentadoras! Quantas mulheres belicosas e gostosas!), buscávamos decifrar a vida nas espumas de muitos copos de cerveja.
Eu restei. Continuo a pousar olhos de fidelidade sobre este meu habitat. Continuo a escrever odes de paixão. Dou continuidade e perseverança à vida. De nossa companhia e de nossas andanças uni a verdade e a ilusão de muitas fantasias e aventuras para continuar a ser o maior amante dessa utopia que se chama vida.

Um comentário:

Valdeci disse...

Gostei do poema. Mesmo de longe continuo de olho na cidade que acolheu meus primeiros sonhos.
Obrigado por me fazer relembrar aquele tempo tão bom.