sábado, 15 de maio de 2010

O VESTIDO VIAJANTE (Cordel)

Um caso muito engraçado
Vou contar pra toda gente
A história de um vestido
Regalo bem diferente
Que saiu cá de Olinda
Todo chique e muito azul
Para o sertão da Bahia
À luz do Cruzeiro do Sul.

A história é verdadeira
E um tanto desmiolada
Ele desceu as ladeiras
Da cidade enfeitiçada.
O vestido precioso
Tal novo conto de fada
Foi recebido e guardado
Numa casa de Itaberaba.

Eu lembro da remetente
Pedindo a mim o endereço:
“É pra mandar o presente
Para quem eu tenho apreço.
Peço a tua ajuda, moço
Pra enviar esse regalo
Mas não faça alvoroço
Fica na tua, calado”.


O endereço lhe foi dado
Bem escrito do A ao Z
E o presente foi postado
Talvez num entardecer.
Mas antes a remetente
Desconfiada falou:
“Espero que esteja certo
O endereço que mandou”.


Disse eu: “Está mais certo
Que o sol que me alumia
Eu sou um cara correto
Que não se vê todo dia.
Já mandei o meu presente
Mas não assim exibido
E já chegou a notícia
Ele foi bem recebido”.


Ressabiada ela exclama:
“Não comece criticando
Meu presente é a chama
De quem está esperando
Do outro lado do mundo
Uma promessa já feita
Tem um feitiço profundo
Para me deixar aceita.”


De repente, certo dia...
Começou outra novela
O Correio devolvia
O tal presente pra ela
O vestido viajante
Começou a ser turista
E quase sem dar na vista
Voltou pra Olinda velha.

A remetente furiosa
Em cima de mim caiu:
“Ou é você ou é ela
A me fazer de chibiu.
Fiz a coisa toda airosa
E meu regalo tão lindo
Enviado todo prosa
De indo termina vindo”.


Respondi enraivecido
Com tanta desconfiança:
“Não venha a sua burrança
Mexer com minha libido.
Ou foi erro do Correio
Ou o carteiro esqueceu
Depois de um dia fudido
A rua que você escreveu.”


E lá no sertão da Bahia
A jovem aniversariante
Estava preocupada
Com o presente viajante
E como não era culpada
Daquilo que acontecia
Comentava ao poeta
Toda noite e todo dia:

“Dessas coisas não entendo
Meu endereço está certo
Não sou cigana nem vento
Para ter um rumo incerto
Se a culpa foi do carteiro
Tudo pode acontecer.
Pois o mundo brasileiro
Tem coisa pra inglês ver”.


Aconteceu de repente
Confirmado o endereço
Resolveu-se a remetente
No meio do Carnaval
Mandar de novo o presente
E disse pra mim no e-mail:
“Por apreço e em permeio
Chega por bem ou por mal”.


A mocinha tava ansiosa
E falou só para mim:
“Espero que essa coisa
Chegue logo por aqui.
Do jeito que a vida anda
Não posso negacear
Quero abrir sem tardança
E ver o que vou ganhar”.


Ninguém sabia que era
Um belo e azul vestido
Posto na fila de espera
De onde já tinha partido
Mas agora a presepada
Saiu de mal a pior
Em lugar de Itaberaba
Caiu em Feira o penhor.

Existe aqui na internet
Um tal de rastreamento
Para ver se o correio
Tá fazendo o movimento
E fez isso a remetente
Como o figurino manda
Ao rastrear o presente
A sua raiva desanda.

E até eu fiquei pasmo
Com essa coisa tão besta
Que acordei do marasmo
Quando cá fazia a sesta
Lá estava a louca insana
Da remetente a gritar:
“Por que em Feira de Santana
Foi meu regalo parar?”


Senti uma louca vontade
De começar a gargalhar.
Pois não é que era verdade
O seu novo reclamar?
O reenviado presente
Viajou pra outra cidade
E zombando da remetente
Ficou por lá a vadiar.

E nessas vindas e idas
De Olinda a Itaberaba
Venho gozar essas vidas
Novela que não acaba:
A baiana na espera!
A olindense arretada!
E em Feira de Santana
O presente não faz nada!

Dezenas de dias depois
E de mil telefonemas
O correio explica aos dois
O motivo do problema
O presente foi enviado
Em postagem especial
Um PAC meio safado:
Postagem Ao Carnaval!

Numa bela sexta-feira
O danado de repente
Chega direto de Feira
Mata a ânsia dessa gente
Tudo de cabeça quente
Pai, mãe, irmã e irmão:
“Abre logo esse demente!
Vamos ver a danação!”


Grande silêncio mouco
Encheu o meio da sala
E a menina aos poucos
Desempacota a mala
De lá sai outro pacote
E se ouvem gritos roucos:
“Tem um cheiro esquisito
Saindo desse malote!”


As mãos dela tremem tanto
Que a mãe vai ajudar
E ela cheia de espanto
Puxa aqui e acolá
Abrindo toda a sacola
Inicia o repuxar
E o azul de um tecido
Começa a se espraiar

De repente uma ventania
Sai daquele pacotaço.
E um cheiro de bruxaria
Enche todo aquele espaço.
E num só estardalhaço
Começa a espirradeira
“Evoé, quanto perfume!
É coisa de feiticeira!”


E o pai aparvalhado
Tira a palavra da boca:
“Menina que coisa é essa?
Essa tua amiga é louca!
É macumba de atrasado
Ou é despacho de Exu?
Esse vestido enfeitado
E todo na cor azul?”


E mais do que espantado
Continua a reclamar:
“Como é que agora vou
Beber no bar do Itamar?
O cheiro desse danado
Até na cueca entrou
E meu pau já tá melado
Com perfume de fulô”.


Nem a mãe é mais clemente
E não pode variar:
“Mocinha, esse presente
Acabou com o jantar.
A moqueca perfumou-se
E até o meu vatapá
O camarão ficou doce
Por causa desse cheirar.”


E o pior da história
Veio da irmã mais velha:
“Esse perfume é a glória
Me fez lembrar a Estela
E aqueles dias passados
A beijar as coxas dela
E no fazer cacheados
Catando perebas nela”.


Ainda mais arretado
O mano mais velho ficou:
“Isso é coisa de viado
A mexer com meu pendor.
Pois estou sentindo algo
Vindo do vestido azul
Como se sendo traçado
Lá no olho do meu cu”.


A menina aperriada
O vestido azul pegou
Sem pensar em mais nada
Ela o experimentou.
Caiu como uma luva
Assim sem tirar nem pôr
E como a terra à chuva
Ao feitiço se entregou.

Ela disse para mim:
“É um vestido de seda
Tem um cheiro de jasmim
A pegar logo que medra
Se tem mesmo um feitiço
Eu nem vou imaginar
Vestirei sem dar aviso
Ele não vai machucar”.

“Um presente assim bonito
Não se pode desprezar
Não tem nada de maldito
Nem coisa de Yemanjá.
É um regalo cheiroso
Difícil de imaginar
Tem algo assim de gostoso
Pro corpo saborear.”


Aqui acaba a história
Do vestido viajante
Saído da velha Olinda
À Itaberaba distante
Com seu azul de cetim
E perfume de jasmim
A mostrar como é linda
Uma amizade assim.

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